O coco é uma expressão cultural de canto-dança típico da Região Nordeste do País, que pode ser brincado facilmente em épocas festivas, como São João e Carnaval. A origem exata ainda é um fator de divisão entre os pesquisadores, que concordam apenas sobre a forte influência dos povos originários e da população de negros escravizados trazidos do continente africano, além de um toque de influência das vestes portuguesas. O resultado desse convívio foi um estilo musical que se tornou típico em áreas do litoral do Nordeste, geralmente brincado com ou sem sapatos, guiado por um mestre tocador, que pode ou não utilizar instrumentos musicais para conduzir o coco de roda.
Para Rosas, “o coco é uma cultura que abrange vivências; é tocar, dançar, tem relação com a literatura. No caso de Ana Lúcia, as músicas são sobre o romantismo, a natureza, algo do dia a dia”, elementos que podem ser apresentados no improviso ou serem produzidos anteriormente. Os encontros musicais promovidos no bairro do Amaro Branco, em Olinda, no Grande Recife, também promovem uma integração entre as gerações da família da mestra e a vizinhança, que costumam participar dos encontros e ensaios de coco.
O coco também tem um forte impacto no âmbito familiar, uma vez que “nasceu em uma família de pescadores e de trabalhadores rurais. Na geração de Ana Lúcia se fez presente também o trabalho de mulheres lavadeiras [para complementar a renda]. A atual geração já consegue sobreviver com algum recurso do coco, bem mais reconhecido que nas gerações anteriores”, explica Rosas.
Visando compreender a linguagem típica do processo de ensino-aprendizagem do coco de roda da mestra, Rosas utiliza, entre outras metodologias, a pesquisa etnográfica, como observador-participante. “Ana Lúcia é a forma viva de transmissão desta cultura, o que ajuda o pesquisador a se aprofundar, vivendo a experiência. Durante quase três anos, estudei o fenômeno e participei do processo formativo, ensaios, apresentações e na gravação de um CD”, detalha.
O estudo compreende também que o ensino pode ser transmitido fora de um ambiente formal de música e permite uma flexibilidade entre o cantador e os brincantes. “Não posso falar do coco individualizando a melodia, letra, dança. Tudo está unido e se expressa corporalmente”, pontua o pesquisador, já que entre os elementos percebidos na prática da mestra há o uso da imitação para conduzir as danças e o ritmo da música. Mas ele adverte que “não é só na repetição que a gente aprende coco. Ele tem a ver com a cultura que a gente está inserido” e com essa relação de experimentação entre o ritmo e a melodia.
Embora a religiosidade não tenha sido o foco da análise no coco da mestra Ana Lúcia, o pesquisador destaca que tal aspecto chega a influenciar o ritmo, mas não é algo explícito para a coquista. A impressão que se destaca na observação-participante é a de que, por conta das vivências religiosas pessoais da mestra, seu coco recebe influências católicas.
CD – Ao longo do estudo, o pesquisador ainda produziu um CD como forma de registrar a personalidade e a forma do coco de roda da mestra Ana Lúcia, marcado pelo uso do corpo que direciona o uso dos instrumentos. Durante a observação do pesquisador, ele destaca que o território da dança e da transmissão da mestra promove saberes culturais, morais e experiências geracionais. Principalmente porque a mestra compartilha com ele as inspirações por trás de suas produções musicais.
Diante da flexibilidade melódica, constatada como componente do processo de aprendizagem da mestra, foi possível incorporar outros instrumentos ao coco. “Teve um segundo momento em que nós gravamos guitarras e samples eletrônicos junto com Ana Lúcia, possibilitando o surgimento que batizamos de ‘cocotrônico’”, explica Rosas. O intuito principal do álbum foi captar o processo formativo de aprendizagem enquanto ele era apresentado.
HISTÓRICO – O coco de roda faz parte da vida da mestra Ana Lúcia desde a infância, quando participava de shows com o seu pai. Subiu ao palco para cantar aos três anos de idade. Daí em diante, nesse processo de participação, ela aprendeu e passou a transmitir o canto-dança como forma de divulgar a cultura popular e preservar a tradição. Em um ambiente dominado por homens, a mestra conquistou seu espaço preservando uma geração de canto-dança enquanto aprimorava sua própria técnica. Com percurso dinâmico, vívido e envolvente, ela mantém acesa a tradição.
A coquista reside no bairro do Amaro Branco, sítio histórico de Olinda, que reúne importantes figuras culturais da cidade. Seu método de ensino envolve apresentar o coco de roda para as gerações da família, vizinhança e outros brincantes, com passos ritmados e uma melodia marcante. A mestra recebeu o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco, em 2020; a titulação de Notório Saber em Cultura Popular pela Universidade de Pernambuco (UPE) em parceria com a Secretaria de Cultura do Governo de Pernambuco, em 2021; e o título de Mestre Griô da Tradição Oral. Este último se refere à incorporação de saberes do coco de roda da mestra, que vem de uma tradição familiar de conquistas e que é celebrado por toda uma comunidade.
Veja o vídeo das entrevistas com o pesquisador Gustavo Rosas e a mestra Ana Lúcia.
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