Ricardo Ferreira Ricardo Ferreira

Ricardo Ferreira foi um dos mais importantes cientistas pernambucanos, que contribuiu com seu trabalho, seus sonhos, sua inquietude, seus ensinamentos e seu exemplo de vida e de professor, para formar gerações de bons cidadãos e pesquisadores e para a institucionalização da ciência no Nordeste do Brasil. Ricardo de Carvalho Ferreira nasceu há 85 anos no Recife, onde foi educado nos cursos primário, ginasial e científico. Em 1946 iniciou sua graduação em Química no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), onde estudou por três anos, mas voltou ao Recife para concluir o Bacharelado em Química em 1952 na Universidade Católica de Pernambuco.

Sua geração teve grandes dificuldades para estudar e fazer pesquisa científica no Brasil, pois a pós-graduação só seria institucionalizada na década de 1960. Por isso, sua formação como cientista exigiu uma excepcional capacidade pessoal, autodidatismo e, principalmente, muita persistência. Em 1947, com 19 anos de idade, Ricardo publicou seu primeiro artigo internacional no Journal of Chemical Education. No ano seguinte, publicou o artigo “A Note on Plastic and Allotropic Forms of Sulfur”, na mesma revista. Com 25 anos de idade Ricardo teve a audácia de submeter à Nature, a mais prestigiosa revista científica, um artigo intitulado “Resolution of Racemic Mixtures by Symmetrical Agents”. O artigo passou pelo severo crivo dos editores e revisores e foi publicado em agosto de 1953, no volume 171, o mesmo que publicou o famoso artigo de Watson e Cricks sobre a estrutura do DNA. Ele era então instrutor de Físico-Química da então Faculdade de Ciências Médicas do Recife. Em todos os artigos publicados até o ano de 1964 ele foi o único autor, o que mostra sua independência científica desde muito jovem. Em 1954 foi contratado como Professor Assistente da Escola de Química da Universidade do Recife, atualmente Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mas Ricardo era inquieto, em 1957 foi para o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e em 1959 foi para o California Institute of Technology, o Caltech, onde estavam o grande físico Richard Feynman, que ele havia conhecido no CBPF, e o nobelista de química de 1954, Linus Pauling, com quem teve bastante interação.

A partir de então Ricardo ganhou o mundo e entrou na comunidade científica internacional. De 1959 a 1971 viveu principalmente no exterior, licenciado pela UFPE, tendo sido visitante e professor de algumas universidades nos Estados Unidos e na Europa, dentre elas as Universidades de Columbia e de Indiana, além do Caltech. Neste período veio ao Brasil várias vezes, dentre elas em 1961 para defender sua tese de doutorado “Interação do Mercúrio (II) com Purinas e Pirimidinas,” na UFPE, e para participar da criação da Universidade de Brasília, com Anísio Teixeira. Outros brilhantes cientistas pernambucanos, quase contemporâneos de Ricardo, viveram experiências semelhantes, como os físicos Mario Schemberg e José Leite Lopes. Mas enquanto estes ao retornarem do exterior se fixaram em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde havia instituições com melhores condições de trabalho, Ricardo resolveu voltar para o Recife onde foi acolhido com entusiasmo em 1972 pelo recém criado Departamento de Física da UFPE (DF/UFPE).

No DF/UFPE Ricardo Ferreira liderou o grupo de Física Molecular, atraindo para ele professores de outras universidades, como Gilberto Sá, e estudantes da Escola de Química, como Arnóbio Gama, Lucia e Celso Melo, e Oscar Malta. Nas décadas de 1970 e 1980 licenciou-se do DF para passar períodos como professor visitante do CBPF, da USP-São Carlos e da Universidade Federal de São Carlos. De lá atraiu para a UFPE estudantes que depois se tornaram professores, como Antônio Carlos Pavão, Diretor do Espaço Ciência. Com seus colegas do grupo de Física Molecular do DF/UFPE, Ricardo criou em 1984 o Departamento de Química Fundamental, que se tornou uma das principais instituições da área no Nordeste e no País.

Ricardo Ferreira foi um pioneiro na ciência brasileira, sendo o primeiro químico teórico no Brasil a utilizar técnicas de Química Quântica para desvendar inúmeros problemas e elucidar sistemas de interesse da Química e da Biologia. Ele ampliou continuamente suas áreas de pesquisa, principalmente para a bioquímica e a biologia molecular, e nos anos recentes trabalhava em questões relacionadas à origem da vida. Ele orientou 20 mestres e doutores e publicou 129 artigos científicos e capítulos de livros. Também escreveu o livro “Darwin, Wallace e Bates”, cuja primeira edição, publicada pela Editora da USP e pela Universidade de Brasília em 1998, está esgotada há vários anos. Em 2012 o livro foi reeditado pela Companhia Editora de Pernambuco-CEPE.

Ricardo recebeu títulos honoríficos de diversas universidades no Brasil e no exterior, e foi agraciado com inúmeros prêmios e honrarias, dentre os quais a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Científico outorgada pelo Presidente da República em 1995, o Prêmio Almirante Álvaro Alberto concedido pelo CNPq em 1996 e o título de Pesquisador Emérito pelo CNPq em 2007. Foi Presidente de Honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e da Sociedade Brasileira de Química e Membro Titular da Academia Brasileira de Ciências.

Além de seus méritos como professor e cientista, Ricardo Ferreira foi, acima de tudo, uma referência para a comunidade científica, sobretudo para os estudantes e os docentes mais jovens. Sua atuação na UFPE e em outras instituições sempre se destacou por grande idealismo, entusiasmo, total retidão e conduta ética impecável. No dia 30 de julho faleceu com 85 anos em sua residência no bairro de Casa Forte, no Recife, vítima de insuficiência cardíaca e falência múltipla dos órgãos. Seu corpo foi cremado no dia 31, exatamente 5 anos após a morte de sua esposa Rosa, cujo falecimento o abateu muito e contribuiu para o início dos seus problemas de saúde. Ele deixou quatro filhos – Rejane, Ricardo Júnior, Roberta e Rebecca – três netos, e uma enorme legião de amigos e admiradores.

Recife, 1º de agosto de 2013

Cid Bartolomeu de Araújo,
José Roberto Rios Leite, 

Maurício Domingues Coutinho Filho,
Sergio Machado Rezende

Artigo de Alfredo Arnóbio da Gama, Edgar Guimarães Victor, Gilberto Fernandes de Sá, Oscar Lou-
reiro Malta, Ricardo Luiz Longo