Truká Truká

Grupo Indígena:

População: 3463

Localização: Ilha da Assunção no médio São Francisco, município de Cabrobó. [ver mapa]

Extensão:

Situação Jurídica:

          Os Truká  vivem na  Ilha da Assunção no médio rio São Francisco no município de Cabrobó  estão estimados em 3.463 e tem seu território com uma superfície de 5.769ha. A aldeia da Assunção foi fundada provavelmente em 1722, e ficava situada em uma grande ilha com esse mesmo nome (Costa Jr. 1942). Em 1761, de uma simples aldeia de índios, originalmente situada na extremidade ocidental da ilha, prosperou tanto que teve o predicamento de paróquia. No entanto em 1789 sua população constava apenas 400 pessoas, e uma grande enchente que ocorreu em 1792, derrubou e arruinou todas as casas da vila, invadida pelas águas, deixando sem o menor vestígio, entre outros, a Câmara Municipal (Galvão, 1908).

          Pode-se perceber que a Aldeia de Assunção viveu um período de expansão e crescimento, seguido então por um longo período de abandono e decadência. No entanto, apesar dos diversos registros localizados, não é possível obter-se informações mais precisas sobre o aldeamento, ou mesmo, o grupo que aí habitava. As informações podem ser caracterizadas como registros administrativos.

       Nos últimos anos do regime monárquico, com relação a Pernambuco, foram registrados atos administrativos visando a extinção dos aldeamentos indígenas. No entanto, o aldeamento Assunção sobreviveu até ao advento da república. Embora os dados desse processo sejam extremamente limitados, podemos assinalar que em 1880 encontramos referências a uma nova proposta para o cargo d e direitos do aldeamento.

          Partindo da correspondência existente entre os moradores (os índios da Aldeia Assunção), funcionários administrativos, diretoria de índios e o governador da Província de Pernambuco, percebe-se que a Aldeia da Assunção, durante grande parte do século XIX, existiu e persistiu, afligida por problemas que revelam um processo de disputa entre seus moradores e os chamados poder de Cabrobró. Esta disputa implicava não só a posse das terras do aldeamento, mas também o controle sobre o rebanho que pertencia ao aldeamento, e em especial, a utilização dos índios enquanto mão de obra escrava ou servil.

          Em 1857, em uma carta arquivada, é possível ter um quadro onde se delineia um processo de alienação da comunidade existente. É dito que após a independência do Brasil, pessoas poderosas da região apossaram-se da ilha, tornando-a a Sede da Freguesia e sem título legal, considerou-se a melhor parte da ilha patrimônio da Comarca. Após a transferência da sede da ilha para Cabrobró, a Comarca Municipal fez arrendar por nove anos, toda a ilha e o grupo de ilhotas a ela pertencentes, ficando os índios dependendo de favor dos rendeiros para poderem manter as suas criações unidas e plantarem para sobrevivência. Para completar o processo, o Juiz Municipal mandou colocar em hasta pública o gado dos índios e promoveu perseguição e escravização dos índios da ilha.

          Entre o final do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX, o quadro local passou por modificações significativas, pois em 1920, baseando-se na alegação do bispo de pesqueira de que a ilha Assunção pertencia ao patrimônio da igreja, graças à doação feita pelos índios a Nossa Senhora, o cartório da comarca de Belém do São Francisco, lavrou a escritura de compra e venda de toda a ilha de Assunção. Passou-se então da situação de uma ilha a qual existia um aldeamento indígena, durante mais de um século, a uma terra vendida por diferentes proprietários, graças a uma alegação de reconhecimento de subordinação: se a terra pertencia a uma Santa, o representante legal na terra é o Bispo! Apesar da venda efetuada, os moradores da ilha, aparentemente, não foram incomodados, pois continuaram a pagar o foro anual, que não pensava no cálculo da sobrevivência familiar. A alteração fez-se só em termos do rendeiro. Antes era o grupo e agora era o(s) “proprietário(s)”.

          A partir de 1940 vamos nos defrontar com discussões e disputas sobre a legitimidade de um grupo indígena que reinvidica a posse da terra. Dentro deste contexto, participam o SPI e outras agências governamentais.

          Os Truká, em meados da década de 40, iniciaram um processo de reinvidicação à terra junto ao SPI, graças aos contatos mantidos entre os Truká e os Tuxá, de Rodelas. Através destes, os Truká ficaram sabendo da existência do Serviço de Proteção aos Índios e da possibilidade de, obtendo seu apoio, serem capazes de impedir o processo de expulsão das terras, que vinha se iniciando por parte dos “compradores” das terras da ilha. Após a troca de correspondência, via telegramas, e deslocamentos feitos ao Recife a à antiga capital Federal (Rio de Janeiro), os Truká conseguiram que o SPI, através de um processo jurídico instaurasse uma Ação de Nulidade de Venda e Reintegração de Posse. Esta ação percorreu o foro Municipal, Estadual e, atualmente, encontra-se no Supremo Tribunal da União.

          Esta ação, quando ainda no foro Estadual encontrou grande dificuldade graças ao tipo de argumentação utilizada pelo advogado da defesa: houve um questionamento quanto à existência de índios que pudessem reinvidicar a terra, e, principalmente, sobre a legitimidade do SPI como representante dos moradores da ilha. Como decorrência da extrema morosidade do processo judicial e a morte da liderança Truká, viveu-se um quadro de refluxo, onde o grupo acomodou-se dentro do espaço físico disponível, com saída de algumas famílias e uma aparente retirada da tutela do SPI. Este processo foi tão efetivo que no momento em que o grupo, já na década de 70, estabelece contatos com a FUNAI, esta leva alguns anos para descobrir que o grupo tinha uma história anterior de demanda pela posse legítima da terra.

          No final da década de 50 e meados de 60, o estado de Pernambuco, ignorando a ação impetrada pelo SPI, comprou parte da ilha de Assunção, tendo em vista a instalação (em 1965) de um núcleo de Colonização. A Companhia de Revenda e Colonização – CRC – era o órgão encarregado de fornecer terras para os moradores da região, através do financiamento de um projeto de produção agrícola, contando-se para isso com um prazo de carência de 5 anos, durante o qual se contaria com o apoio financeiro e técnico do escritório central. O recrutamento não privilegiou os moradores da ilha, permitindo o aparecimento de pessoas externas à comunidade, agora sentindo-se com direito à terra na ilha de Assunção.

          Desta maneira fez-se submergir uma demanda definida, em meio de um processo diferente – concessão de lotes de forma individualizada – ao mesmo tempo em que o SPI debatia-se numa crise que resultou na sua extinção.

          No final da década de 60, o CRC entrou em processo de extinção em decorrência da crise financeira, tendo parte do seu espólio passado a ser gerido pela Companhia de Produção de Mudas e Sementes Selecionadas do estado de Pernambuco – SEMEMPE. O trecho de terras da ilha de Assunção transformou-se em campo de produção de mudas, e tal alteração resultou em tensão com os moradores locais. Com a iminência de serem expulsos dos antigos lugares de moradia e plantio, o grupo retomou o processo de reinvidicação da terra, terminando em meados da década de 70, em estabelecer o contato com a FUNAI, que em 1976 deslocou uma sub-equipe para investigar a existência de remanescentes indígenas, contácta-los e avaliar a situação fundiária.

          O processo desencadeado pelos Truká, para transformar a FUNAI em parceira no processo de reinvidicação e reconhecimento à terra, foi obtido com dificuldades. O grupo contou com o apoio do CIMI, que fez chegar a órgãos da imprensa local e regional, a situação em que o estado de Pernambuco dizia-se proprietário , através da compra, de parte de um território sob litígio, reinvidicado por um grupo indígena.

          Após muitos conflitos vividos entre os Truká e os funcionários da SEMEMPE, com mediações tanto do CIMI como da FUNAI, foi feito acordo entre o estado de Pernambuco e o governo Federal, onde a SEMEMPE entregou/cedeu parte do trecho da ilha sob seu poder à FUNAI.

          A partir de 1974, através de um grupo de moradores da ilha de Assunção, encaminhando-se correspondência  à FUNAI, solicitando o envio de uma equipe à ilha. A FUNAI, através da portaria nº 876/P de 21.06.76 constituiu um sub-grupo de trabalho para se proceder ao levantamento e definição da área que constitui o atual “habitat” dos remanescente indígenas Truká. A situação desses remanescentes era marcada pela presença na ilha de Assunção de uma Companhia Estadual de Produção de Mudas e Sementes Selecionadas (SEMEMPE), que utilizava essa gleba (1200 ha) para a produção agrícola, entrando em conflito com os Truká. O relatório resultante do sub-grupo reconheceu a existência do grupo, historiou o problema com relação a propriedade da ilha de Assunção e sugeriu a possibilidade de obter-se junto ao estado de Pernambuco a concessão de 500 há não cultivados, parte da gleba, como forma de se resolver a questão levantada pelos Truká. Entretanto, a negociação não se encaminhou para um acordo, pois o governador de Pernambuco não demonstrou interesse pelo pleito, após o que, decorridos 4 anos, a FUNAI através da portaria nº 687/E de 05.03.80 designou uma nova comissão para realizar um levantamento antropológico. O relatório da comissão reforçou as informações anteriores e sugeriu que se voltasse a tentar um acordo com o então ocupante do governo do estado de Pernambuco. Os conflitos entre os Truká, necessitados de terra para o plantio, e a SEMEMPE, ciosa de terras que não estavam sendo utilizadas, prosseguem acentuados pela presença dos posseiros, utilizando-se estes, de terras em processos de disputa.

          A FUNAI obteve, 1981, a cessão de dois lotes (14 ha) da SEMEMPE, para uso temporário de todo o grupo. Em 1982 os Truká passaram a uma ação mais direta e ocuparam um trecho, conhecido como Bomba I (70 ha) e passaram a sofrer um processo de hostilização por parte dos funcionários da SEMEMPE e da força policial local. Apesar de toda pressão, o trecho passou a ser ocupado de forma permanente pelos Truká, embora ainda fosse insuficiente para garantir a reprodução de toda comunidade indígena. Os Truká pressionaram  a FUNAI, através de movimentos mais articulados, contando para tal com o apoio do CIMI de Recife, obtendo cobertura da imprensa regional, que passa a noticiar a difícil situação na qual se encontrava o grupo indígena.

          A FUNAI, através da portaria nº 1647/E, de 05.06.84, designou comissão para proceder estudos de identificação e levantamento ocupacional, visando a definição dos limites das áreas indígenas Atikum, Kapinawá, Truká e Wassu-Cocal. 

          A comissão procedeu a um levantamento fundiário com propostas para definição da área indígena a ser apresentada ao Grupo de Trabalho (GT) constituído pelo Decreto nº 88.118/83.

          Em 1984 a Área Indígena Truká foi identificada como área de extensão aproximada de 1650 ha, embora efetivamente, até o momento presente o grupo só tenha obtido a posse de uma área inferior a 600 há. O restante da área acha-se ocupada por posseiros, que vem se aproveitando tanto da falta de apoio efetivo da FUNAI ao grupo, como também dos conflitos internos que permeiam o grupo, para “comprarem” direitos de algumas famílias indígenas que vem se retirando da ilha. O posto indígena, que iniciou as atividades em fim de 1987, a partir de 1991 conseguiu criar algumas dificuldades para este tipo de negócios. No entanto, um trecho significativo, em torno de 50 ha , já se encontrava nas mãos dos não-Truká.

          Em 1990, a FUNAI, através da portaria nº 826 de 29.08.1990, interdita formalmente a área. A proposta de área é avaliada novamente em 1992 pela Comissão Especial de Análise da FUNAI, que aprova de acordo com Parecer nº 040/CEA/ de 18 de Dezembro de 1992 e com o termo de anuência assinado por 30 índios, concordando com os limites apresentados. Enviada a aprovação do ministério da Justiça para emissão da portaria de delimitação pelo presidente da FUNAI em 1993, fica declarada de posse permanente indígena para efeito de demarcação através da portaria nº 315, de 17 de Agosto de 1993. Da referida portaria assinada pelo Ministro da Justiça não consta um item comum às portarias de delimitação que proíbem a entrada e permanência de não-índios na área delimitada, dado possivelmente à situação de intrusamento desta.

          Existe uma Apelação Civil nº 30.718/71/PE onde a União Federal figura como apelante e Antonio André Cavalcanti e outros como apelados; tem por finalidade anular a escritura de doação de terra da ilha de Assunção. Em 1980 o recurso encontrava-se no Tribunal Federal de Recursos. Caso o apelante saia vencedor, toda ilha de Assunção (6000 ha) poderia vir a pertencer ao grupo indígena Truká. Em 1981 a FUNAI inclinou-se a um acordo, onde se obteria 1600 ha para o grupo, em troca do encerramento da ação.

Informações Complementares:

          TI Truká: Os trabalhos das etapas iniciais do processo de regularização fundiária da TI Truká, delimitada desde o ano de 2002 com 5.769 ha., foram interrompidos e até o presente ainda não retomados em virtude da insegurança na área pelas constantes ameaças aos componentes do GT. A área Truká está inserida em região conhecida como “Polígono da Maconha”, e os índios denunciam a utilização da mesma por produtores de maconha, situação que tem acarretado inúmeros conflitos e violência contra eles. De acordo com o Mapa da Demarcação (provisória) elaborado pela FUNAI, a TI Truká possui dimensão de 9.688,4350 ha., incluindo a ilha de Assunção e um complexo de ilhotas em torno da mesma, contabilizando um total de 66 (FUNAI, em 22/11/2002).