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Aos 71 anos, enfermeira e professora aposentada defende tese de doutorado em Ciência de Materiais

Inativação fotodinâmica de microrganismos utilizando azul de metileno em solução aquosa e formulação gel é o tema da pesquisa

Por Renata do Amaral

Quando viu que havia sido aprovada para ingressar no doutorado do Programa de Pós-Graduação em Ciência de Materiais (PGMTR) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a enfermeira e professora Evanísia Assis Goes de Araújo mal pôde acreditar. Vinda da área de Saúde e da pesquisa exploratória, ela iria iniciar uma incursão bem diferente pela área de Exatas e da pesquisa experimental. “Na verdade, eu não percebi que estava perto de me aposentar”, lembra. “Quando eu vi, lá estava eu no Centro de Tecnologia e Geociências”, conta. Aos 71 anos, ela defendeu ontem (15), via Google Meet, sua tese, intitulada “Inativação fotodinâmica de microrganismos utilizando azul de metileno em solução aquosa e formulação gel”, sob a orientação das professoras Beate Saegesser e Gláucia Manoella de Souza Lima, curadora da Coleção de Microrganismos do Departamento de Antibióticos, e coorientação de Juliana Alencar.

Fotos: acervo pessoal

Evanísia buscou correlacionar as duas áreas de estudo

Enfermeira aposentada desde 2004 do Hospital das Clínicas (HC), Evanísia era professora do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), no Campus Belo Jardim, quando entrou no PGMTR, em 2015. Ela sempre gostou de fazer pesquisa e ficou curiosa pela área de Ciência de Materiais, mas fazia anos que não sentava em uma sala de aula como aluna – o mestrado em Enfermagem havia sido concluído em 1999. Ao conversar com uma amiga, ficou sabendo que o curso tinha um perfil profissional e muitos estudantes da área de saúde. Tinha estudado matemática só para o vestibular – cursou Enfermagem de 1974 a 1976 – e usava o básico para sua área. “Foi muito desafiador. Muita gente desistia, pois não é fácil”, afirma. “Entraram três enfermeiras e só eu sobrevivi”, brinca.

Além de estudar matérias há muito esquecidas, Evanísia aproveitou para puxar os novos aprendizados para sua área. “O que eu mais queria era fazer essa correlação”, explica. “A Enfermagem tem de tudo um pouquinho.” Depois de cumprir os créditos, passou a frequentar os laboratórios da Universidade. “Estava louca para ir. Nunca tinha feito pesquisa experimental e essa era uma oportunidade. Sempre gostei de estudar”, diz. Ia para a UFPE pela manhã e houve alguns dias em que chegou em casa à meia-noite. Só parou de ir por causa da pandemia da Covid-19 – ou continuaria, porque gostou bastante de realizar os experimentos in vitro, no laboratório. “Queria repetir alguns experimentos. Sou um pouco exigente”, destaca.

Pesquisadora analisou sete tipos de microrganismos

Evanísia se interessou por outros temas antes de encontrar algo dentro de sua área. Ela trabalhou por muitos anos com pacientes com infecções recorrentes – a exemplo da infecção urinária – e queria ajudar a quem tinha resistência a bactérias e à ação dos medicamentos. O objetivo de sua tese foi encontrar uma terapêutica alternativa para ajudar essas pessoas que têm infecções urinárias recorrentes. A pesquisa incluiu sete tipos de microorganismos e comprovou que a inativação fotodinâmica é uma possibilidade para ajudar a tratar vários processos infecciosos. “Meu propósito é aprender mais alguma coisa e que outras pessoas possam usar o que pesquisei”, ressalta. Ela própria pretende continuar estudando e fazendo outras pesquisas.

A professora já tinha dado entrada na aposentadoria do IFPE quando fez a seleção. Ela fez parte da equipe que planejou o primeiro curso integrado de Enfermagem do interior de Pernambuco. A ideia é que o estudante possa associar os conhecimentos de diversas disciplinas fazendo uma correlação entre elas e também com sua vida profissional futura – o professor, por sua vez, tem que ministrar suas aulas também em integração com outras disciplinas. No início do doutorado, ela conciliava as aulas em Belo Jardim com o doutorado no Recife. A aposentadoria saiu em 2016. Por ter sido aprovada no Reconhecimento de Saberes e Competências (RSC), ela já tinha equiparação salarial ao doutorado. Ou seja, não houve motivação financeira em sua opção. “Fui fazer porque quis mesmo e porque gosto de desafios”, afirma.

Ela conta que estava mais interessada no processo da pesquisa do que no título em si. “O título é apenas consequência de tudo aquilo que a gente trabalhou”, considera. Sua turma tinha colegas de profissões diversas, como biólogo, nutricionista, fisioterapeuta. “Eu tinha colegas com mais de 50 anos, mas era a vovó da turma, pois tinha outros de 25 anos”, recorda. Com alguns deles, criou um grupo de estudo para as matérias mais difíceis. Durante um período, Evanísia precisou trancar o doutorado para cuidar do seu marido, que adoeceu, mas logo depois voltou. Contou também com o estímulo da família: do esposo, da filha engenheira, que mora em Brasília, e da filha psicóloga, que mora no Recife e garantiu apoio efetivo. “Mesmo com todo o apoio, houve momentos estressantes demais”, destaca.

Às vésperas da defesa, estava se sentindo um pouco ansiosa, mas tentando se tranquilizar. A apresentação, pela manhã, ocorreu no mesmo dia em que recebeu a primeira dose da vacina contra a Covid-19, à tarde. Parar não está em seus planos. A enfermeira, professora e agora doutora planeja fazer cursos de dança e música. Adora dançar bolero, samba e forró e até já se apresentou com o grupo da academia de dança que frequentava. O violão está parado desde a adolescência, mas ela quer retomar. “Quando você começa a trabalhar, você para muita coisa na sua vida”, explica. Para ela, as pessoas precisam se desafiar o tempo todo e buscar fazer coisas diferentes. “A gente pensa no futuro não como um adolescente, mas como alguém da idade da gente. Eu me dou ao direito de fazer aquilo que eu quero fazer em vez de ficar pensando se vou errar ou acertar.”

Data da última modificação: 17/03/2021, 17:34