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Apesar de reconhecer que aborda mais negros, polícia não fala de racismo
Tese avalia que acabar com o genocídio da população negra no país não é uma tarefa simples sem a compreensão do racismo no Brasil
Por Mikhaela Araújo
A partir do surgimento dos movimentos negros, o genocídio dessa população vem sendo discutido cada vez mais intensamente no Brasil. Com o objetivo de compreender a construção dos discursos sobre o assunto, Joyce Amancio de Aquino Alves desenvolveu a tese “Quando a polícia chega para nos matar, nós estamos praticamente mortos: discursos sobre genocídio da população negra no cenário de Recife - PE”, na qual aponta que o país ainda não rompeu com os fundamentos das raízes do colonialismo e do mito da democracia racial.
A pesquisa verificou que mais de 60% dos policiais percebem que pretos e pardos são priorizados nas abordagens, mas, nas entrevistas feitas com agentes, percebeu-se que abordar o assunto racismo ainda é um tabu para essa classe profissional. Segundo Joyce, “tratar sobre o genocídio da população negra não é uma tarefa simples se não o atrelarmos à compreensão do racismo no Brasil, vinculando a isso a especificidade das nossas relações raciais”. Na análise da autora, os fenômenos do racismo e da violência estão interligados e refletem a situação da população negra do Brasil.
No trabalho, realizado sob orientação da professora Liana Lewis e defendido no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPE, também constatou-se que os discursos sobre o genocídio da população negra no Brasil “apontam para uma expressividade que não variou desde o surgimento dos Movimentos Sociais Negros e que a democracia racial, já tensionada, se encontra em crise a partir dos discursos evidenciados no cenário político”. A pesquisa considerou o termo jurídico para genocídio com o significado de qualquer ato que seja cometido com a intenção de destruir um grupo nacional, religioso, étnico ou racial, em todo ou em parte, mas ressaltando o conceito de “Continuum Genocida”, de Nancy Sherper Huges, que representa uma série de acontecimentos sequenciais e ininterruptos, fazendo com que haja uma violência direta contra um determinado grupo social.
O estudo evidenciou que os movimentos sociais negros intensificaram as mobilizações pelo fim do genocídio negro e, segundo os entrevistados dos movimentos antirracistas, uma das maiores dificuldades da militância é fazer o Brasil entender que é um país racista e quebrar com o mito da democracia racial. Sobre a constatação, Joyce destaca a importância de se compreender que o racismo institucional é reproduzido pelos militares como aparelho ideológico e repressivo do Estado, porém é negado e contrariado em termos discursivos. “Pensar sobre as práticas policiais racistas ainda é urgente”, adverte.
DADOS | De acordo com o levantamento, a reivindicação pelo fim do genocídio negro brasileiro tem sido trazida à tona pela militância antirracista brasileira desde a fundação do Movimento Negro Unificado no Brasil, na década de 70. Os dados coletados revelam que a violência contra a população negra no país vem aumentando nos últimos anos - morrem 2,6 vezes mais negros do que brancos vítimas de arma de fogo - e Pernambuco é apontado como um estado que apresenta alta vulnerabilidade juvenil negra, de acordo com o levantamento feito pela Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, pelo Ministério da Justiça e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil.
Para Joyce, a construção do discurso realizada pela militância antirracista brasileira se posiciona como uma forma de enfrentamento e de denúncia às práticas dos policiais militares como racistas e ostensivas. Segundo o estudo, como resposta às mobilizações, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) criou o Grupo de Trabalho Sobre Discriminação Racial GT-Racismo, com o objetivo de desenvolver estratégias de inclusão social. No Recife, ocorreram duas audiências públicas, uma em 2015 e outra em 2016, sobre o “Genocídio da Juventude Negra”. “Isso não diz respeito apenas à ação policial, mas também às conversas do cotidiano, discursos políticos oficiais, mídia, livros didáticos; essa construção é refletida e reproduzida a partir da representação do negro na sociedade brasileira”, analisa a pesquisadora.
O objetivo do estudo foi identificar como são construídos os discursos da Polícia Militar de Pernambuco e como eles apontam ou configuram a questão racial em suas intervenções e abordagens, assim como os discursos da militância antirracista no Recife, que mobilizam a bandeira do genocídio, pedindo seu fim e posicionando a Polícia Militar como um personagem central nesse processo. Para tanto, foram realizadas, além da pesquisa bibliográfica, dez entrevistas, entre os agentes policiais e os militantes negros, avaliadas com base na Análise do Discurso de Norman Fairclough, que é um dos expoentes da Análise do Discurso Crítica, uma análise que estuda as interações sociais a partir das relações de poder. Também foram entrevistados, todos no município de Recife, cinco membros que compõem o Movimento Negro Unificado e do coletivo Cara Preta (principais lideranças envolvidas nas mobilizações) e cinco membros da Polícia Militar.
Mais informações
Programa de Pós-Graduação em Sociologia
(81) 2126.8285/8284
ppgs.ufpe@gmail.com
Joyce Amancio de Aquino Alves
joycedeaquino@hotmail.com