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Ciência em interação: a divulgação científica como meio de fortalecimento da comunicação entre a academia e a sociedade

Boletim de Notícias - Especial

Em uma era marcada pela velocidade crescente de circulação da informação, o pensamento anticiência emerge como uma ameaça à estabilidade da democracia e das instituições. Nesse sentido, visto que é necessário combater ativamente as ondas de desinformação que alimentam movimentos anticientíficos e minam a confiança da sociedade no saber construído, o acesso à ciência torna-se um fator crucial para a construção de indivíduos mais críticos, informados e conscientes.

Atualmente, a divulgação científica pela internet tem surtido um efeito positivo rumo a esse objetivo, tornando o conhecimento científico descomplicado para a população. Simultâneamente, a universidade pública, como produtora de conhecimento, também carrega a responsabilidade de estender seus saberes para além dos seus limites. Contudo, para que essa comunicação com a sociedade seja eficaz, um passo anterior se mostra igualmente fundamental: o fortalecimento do diálogo dentro da própria academia. É nesse contexto que a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) fortalece, em suas atividades extensionistas, um conjunto de projetos dedicados a tratar a ciência de maneira interdisciplinar e acessível. Duas dessas iniciativas, em particular, destacam-se por suas abordagens, tecendo juntas uma rede de comunicação entre a academia e a comunidade externa.

O III Workshop de Divulgação Científica e Didáticas é uma delas, concentrando seus esforços no fortalecimento do diálogo científico dentro da própria universidade. Vinculado ao projeto de extensão Divulgação de Ciência e Criatividade Ano III, o evento, que ocorreu nos dias 14, 16 e 22 de maio e incluiu conferências, apresentações orais, sessões de pôsteres e uma feira de exposições, teve como objetivo central propiciar uma maior interação entre os diferentes departamentos do Centro de Ciências Exatas e da Natureza (CCEN).

 

(Arquivo pessoal do projeto, 2025)

Logo do III Workshop de Divulgação Científica e Didáticas

 

Sob a coordenação da Professora Dra. Carla Claudia da Rocha Rego Monteiro, o evento possui caráter multidisciplinar, criando um ambiente de intercâmbio entre os departamentos de Estatística, Física, Matemática e Química Fundamental do CCEN. Segundo a professora, os pesquisadores frequentemente desconhecem as produções científicas realizadas nos diferentes departamentos do próprio Centro. Sendo assim, o Workshop busca enfrentar esse problema por meio da promoção do diálogo entre docentes, discentes e pesquisadores de diferentes campos, fortalecendo e ampliando as possibilidades de colaboração científica.

A potência dessa proposta é medida pelo impacto direto do projeto na trajetória dos próprios participantes. A experiência da doutoranda em Química Francielle Carolinne Machado Santos, por exemplo, materializa os frutos da iniciativa ao transformar o desafio da comunicação interdisciplinar em uma oportunidade para o crescimento acadêmico, como ela mesma descreve: “Participar do WDCD é sempre uma oportunidade singular. Na terceira edição do evento, tive a honra de integrar a comissão organizadora, atuando como mediadora das comunicações orais na área de Química, além de participar como conferencista convidada. Ambas as experiências foram fundamentais para minha formação acadêmica, enquanto doutoranda, e também para meu desenvolvimento pessoal, uma vez que a prática da comunicação em público é um desafio constante que precisamos enfrentar e aprimorar. A mediação das comunicações orais, em especial, foi uma experiência extremamente formativa. Essa função exige um conjunto de habilidades (como a gestão do tempo, a capacidade de síntese e a condução de diálogos) que são desenvolvidas, em grande parte, por meio da prática. Ter a oportunidade de exercitar essas competências ainda durante a pós-graduação é especialmente relevante, pois contribui significativamente para a formação acadêmica e profissional dos estudantes. Apresentar uma conferência em um evento que reúne participantes de outras áreas do conhecimento também representa um desafio importante. Isso demanda a habilidade de comunicar, de forma clara, concisa e didática, uma linha de pesquisa que, muitas vezes, é desconhecida do público presente. Essa vivência amplia nossa visão como pesquisadores e fortalece a capacidade de diálogo interdisciplinar.”

 

(Arquivo pessoal do projeto, 2025)

Francielle Carolinne, doutoranda em Química e integrante da equipe executora, apresentando comunicação oral

 

Além de funcionar como uma vitrine para pesquisas, o evento também se propõe a ser um espaço de reflexão e ação sobre questões sociais urgentes que atravessam a produção acadêmica e que frequentemente atuam como limitadores para a sua realização. A programação contemplou debates sobre o bem-estar da comunidade acadêmica, como a mesa redonda “Mães na Universidade”, na qual foi dado um foco especial ao protagonismo feminino na academia, destacando os desafios de mulheres cientistas mães e enfatizando a necessidade de permanência delas nesse espaço. A mesa proporcionou o compartilhamento de experiências, reforçando a importância de políticas de inclusão e de uma cultura acadêmica acolhedora.

 

(Arquivo pessoal do projeto, 2025)

Mesa redonda “Mães na Universidade”

 

A ação extensionista busca ainda responder a uma outra questão: a falta de profissionais e o desinteresse dos jovens por algumas áreas das ciências exatas. Ao dar palco, também, a trabalhos de graduandos e egressos inseridos no mercado de trabalho, o evento se propõe a responder às dúvidas dos jovens recém ingressados na universidade em relação às exatas, fomentando a curiosidade e incentivando a permanência na vida acadêmica.

A respeito de sua experiência pessoal, a graduanda em Matemática Sofia Maia, a qual apresentou seu primeiro trabalho de iniciação científica no Workshop, relata: “A experiência foi muito enriquecedora, pois tive a oportunidade de conhecer estudantes e professores de outras áreas que não fossem a Matemática, que é a graduação a qual estou finalizando esse ano. Além disso, apresentações orais sempre funcionam como uma excelente oportunidade de troca de conhecimentos. Pude discutir assuntos muito relevantes e mostrar o ponto de vista matemático para pessoas fora da área, mas que estavam muito abertas ao aprendizado.”

A discente Ana Vitória de Araújo, graduanda em Estatística, que também participou como organizadora do evento e oradora, comenta: “O Workshop foi um marco em minha trajetória acadêmica. Além de participar da equipe organizadora, tive a oportunidade de fazer minha primeira apresentação oral em um evento científico. Desde o início do meu projeto de pesquisa, eu sabia que esse seria o palco ideal para compartilhar meus resultados. Como membro da equipe executora, vivenciei todas as etapas do projeto, desde a organização até os dias do evento, o que me permitiu compreender profundamente a importância dessa iniciativa para o fortalecimento da divulgação científica. É impossível falar dessa experiência como extensionista sem destacar o acolhimento marcante proporcionado por uma equipe tão diversa, mas unida pelo propósito comum de construir um mundo melhor por meio da ciência e educação. A recepção calorosa e o incentivo recebidos dos professores e discentes envolvidos no projeto consolidaram em mim um verdadeiro senso de pertencimento ao CCEN”.

 

(Arquivo pessoal do projeto, 2025)

Equipe executora do III WDCD

 

De maneira semelhante, emerge uma segunda iniciativa, com projeção em escala nacional: o projeto Divulgação científica do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Complexo-Econômico Industrial da Saúde (iCEIS), coordenado pelo Professor Dr. José Lamartine Soares Sobrinho. Para além de pesquisadores universitários, o iCEIS, sediado no Departamento de Ciências Farmacêuticas da UFPE, reúne diversos outros atores, como representantes governamentais, empresas, instituições de fomento, organizações ligadas ao meio ambiente e movimentos sociais. Estes últimos têm um papel essencial na articulação entre o iCEIS e a sociedade, pois é a partir das demandas trazidas por esses movimentos que muitas das pesquisas do Instituto são formuladas, assegurando que suas necessidades e perspectivas sejam levadas em conta ao longo do processo científico.

Em relação à gênese do projeto, as cicatrizes deixadas pela pandemia da Covid-19 colocaram em evidência a necessidade do fortalecimento do iCEIS, pois revelou-se a fragilidade da dependência das cadeias de suprimento internacionais para insumos essenciais, como vacinas, equipamentos de proteção individual e medicamentos, de modo que se faz urgente o desenvolvimento da capacidade produtiva desses recursos à nível nacional, consolidando a soberania brasileira no setor da saúde. Conjuntamente, a pandemia também destacou o lugar ímpar que a divulgação científica ocupa no ampliamento da compreensão da população sobre a área da saúde, no sentido do combate à desinformação e do incentivo à adoção de medidas preventivas e terapêuticas eficazes.

 

(Instagram do iCEIS, 2025)

Eixos sob o qual o Instituto se estrutura

 

Diante desse contexto, o iCEIS visa a divulgação de suas pesquisas com o objetivo de fortalecer a sua relação com a sociedade. A sua principal estratégia consiste no uso das plataformas digitais, que funcionam como importantes canais de acesso para a disseminação de conteúdos relevantes acerca do que é produzido pelo instituto, como artigos, patentes e projetos, especialmente voltados à saúde pública.

Para tal, o projeto possui uma equipe interdisciplinar, formada por estudantes da área da Saúde e Design, que colabora para produzir conteúdos semanalmente. A criação dessa equipe parte do princípio de que a interação entre diferentes áreas permite que os pesquisadores adquiram conhecimentos sobre comunicação visual e se tornem protagonistas no processo de divulgação científica. Foram selecionados, portanto, bolsistas de graduação de ambas as áreas para que juntos pudessem desenvolver o trabalho de forma mais efetiva, compreendendo a importância dessa colaboração desde o início de suas formações. 

A iniciativa busca responder a uma lacuna comum na academia, já que muitos pesquisadores concluem a pós-graduação sem nunca terem participado de atividades de divulgação científica. O projeto visa, assim, colocar esses estudantes em um papel central no processo prático da comunicação científica, promovendo uma integração de saberes que eles potencialmente levarão para seus futuros projetos. Essa sinergia garante que a complexidade das pesquisas do instituto seja traduzida em uma linguagem visualmente atraente e conceitualmente acessível, superando a barreira do discurso científico.

 

(Instagram do iCEIS, 2025)

Post de divulgação científica sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA)

 

Adicionalmente, também ocorrem seminários anuais e visitas guiadas de graduandos aos laboratórios do Instituto, buscando inspirar futuras carreiras e trazer materialidade à ciência. Nesses eventos, a comunidade e os estudantes têm a oportunidade de se atualizar sobre assuntos específicos e de construir uma rede de contatos com figuras importantes do setor. Essa preocupação em inspirar jovens se estende às mídias digitais, onde o projeto dá ênfase à divulgação das trajetórias de seus pesquisadores. Um destaque especial é dado ao grande número de cientistas mulheres na equipe, sendo suas histórias utilizadas como forma de incentivar ativamente outras mulheres e meninas a seguir o caminho da pesquisa.

 

(Instagram do iCEIS, 2025)

Divulgação da pesquisa finalista do Prêmio Octavio Frias de Oliveira, da professora Cláudia do Ó Pessoa

 

O Instituto também promove, de forma periódica, os “iCEIS TALKS” — encontros presenciais realizados duas vezes ao ano no formato de talk show. Nesses eventos, especialistas, como pesquisadores, representantes do governo e de empresas vinculadas ao iCEIS, debatem temas relevantes e respondem a perguntas do público, criando um espaço de diálogo direto entre a comunidade externa e o meio da produção científica.

De maneira complementar, as experiências proporcionadas pelo Workshop do CCEN e o projeto de divulgação científica do iCEIS, operando em escalas distintas, são índices de uma mesma resposta da UFPE ao desafio contemporâneo de divulgação do conhecimento científico. Essas ações extensionistas cultivam ativamente o diálogo entre pesquisadores de diferentes áreas e abrem espaço para debates sobre questões sociais urgentes que atravessam a vida acadêmica, além de oportunizar a troca de conhecimentos entre áreas distintas. Concomitantemente, a inspiração de discentes, sejam graduandos ou pós-graduandos, o trabalho dos docentes pesquisadores e o fortalecimento de um senso de pertencimento à comunidade científica como um todo estimulam futuras carreiras no meio acadêmico. Ao estender o alcance da produção dos saberes, a UFPE contribui com a construção de indivíduos mais críticos e informados sobre o papel da ciência, corroborando com a ideia de uma ciência dialógica e engajada que, em sua essência, atua na consolidação do próprio tecido social.

 

Para saber mais:

Instagram do iCEIS: https://www.instagram.com/_iceis/.

 
Data da última modificação: 30/07/2025, 13:31