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A contação de histórias no Instagram como tecnologia leve em tempos pesados de pandemia

O artigo objetiva analisar as contribuições da contação de histórias para a saúde mental no contexto da pandemia de Covid-19. Trata-se de uma pesquisa-intervenção que posiciona o recurso das histórias como uma tecnologia leve em saúde, comprometida em reduzir distâncias, criar pontes entre as pessoas através do investimento na produção de vínculos e acolhimento.

A CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS NO INSTAGRAM COMO TECNOLOGIA LEVE EM TEMPOS PESADOS DE PANDEMIA

LA NARRACIÓN DE HISTORIAS EM INSTAGRAM COMO TECNOLOGÍA LIGERA EN TIEMPOS DE PANDEMIA INTENSA

STORYTELLING ON INSTAGRAM AS A LIGHT TECHNOLOGY IN HEAVY PANDEMIC TIMES

Jaileila de Araújo Menezes1, Síria Silva Botelho1,
Roseane Amorim da Silva2, Antônio César de Holanda Santos3,
Daniela Sales de Souza Leão1, Victoria Feijó Canales1, Helen Leonardo
da Silva1, Ítala Nathália Ferreira da Silva1 e Bruno Vieira dos Santos1

1 Universidade Federal de Pernambuco, Recife/PE, Brasil
2 Universidade Federal Rural de Pernambuco, Serra Talhada/PE, Brasil
3 Universidade Federal de Alagoas, Palmeira dos Índios/AL, Brasil

 

RESUMO: O artigo objetiva analisar as contribuições da contação de histórias para a saúde mental no contexto da pandemia de Covid-19. Trata-se de uma pesquisa-intervenção que posiciona o recurso das histórias como uma tecnologia leve em saúde, comprometida em reduzir distâncias, criar pontes entre as pessoas através do investimento na produção de vínculos e acolhimento. A contação de histórias articula literatura e psicologia, faz parte da caixa de ferramentas necessárias para a ativação de forças psíquicas expressivas dos afetos no cenário atual. O banco de dados da pesquisa pode ser designado como banco de histórias que passam por um processo de curadoria, sendo essa uma metodologia fundamental para o encadeamento de temas abordados nas histórias e a postagem das mesmas no Instagram do projeto.
As histórias videogravadas foram analisadas a partir dos núcleos semânticos contexto-afeto-texto, com destaque para os conteúdos de memória e morte; e práticas de mutualidade em cuidado. A reação dos/as seguidores/as do Instagram expressam mensagens afetuosas aos/as contadores/as.

PALAVRAS-CHAVE: Pandemia; Tecnologia leve em saúde mental; Instagram; Contação de histórias.

RESUMEN: El artículo tiene como objetivo analizar las contribuciones de la narración a la salud mental en el contexto de la pandemia Covid-19. Se trata de una investigación-intervención que posiciona el recurso de las historias como una tecnología ligera en salud, comprometida con la reducción de distancias, creando puentes entre las personas a través de la inversión en la producción de vínculos y la acogida. La narración de cuenteros articula la literatura y la psicología, es parte de la caja de herramientas necesarias para la activación de las fuerzas psíquicas expresivas de los afectos en el escenario actual. La base de datos de investigación puede designarse como un banco de historias que se someten a un proceso curatorial, que es una metodología fundamental para vincular los temas tratados en las historias y publicarlos en el Instagram del proyecto. Se analizaron relatos videograbados a partir de los núcleos semánticos contexto-afectotexto;
con énfasis en los contenidos de la memoria y la muerte; y prácticas de cuidado mutuo en el cuidado. La reacción de los/las seguidores/as de Instagram expresan mensajes afectuosos a los/las cuenteros/as.

PALABRAS CLAVE: Pandemia; Tecnología ligera en salud mental; Instagram; Cuentacuentos.

ABSTRACT: This article aims to analyze the contributions of the storytelling to mental health in the context of the Covid-19 pandemic. It is an intervention-research that places this story device as light health technology. It is committed to reduce distances, create bridges between people through investment in bonding and welcoming. Storytelling articulates literature and psychology, and is part of the toolbox that is necessary for the activation of expressive psychic forces of affections in the current scenario. The research database can be designated as a bank of stories that undergo a curatorial process, which is a fundamental methodology for linking topics covered in the stories and posting them on the project’s Instagram. The videotaped stories were analyzed from mutual-care practices and the context-affection-text semantic nuclei, with emphasis on the contents of memory and death. The reactions of Instagram followers express affectionate messages to the storytellers.


KEYWORDS: Pandemic; Light technology in mental healthcare; Instagram; Storytelling.

 

Introdução


Sonhar e contar mais uma história são algumas das ideias propostas por Ailton Krenak
para adiar o fim do mundo (Krenak, 2019). Nesse sentido, a literatura se apresenta como
estratégia para preservar e promover espaços-tempos de ruptura com o circuito rotineiro
de nossas existências e assim possibilita a abertura de brechas e janelas para problematizarmos
o instituído que se manifesta: no ritmo de produtividade, nas diversas paisagens
da desigualdade social, principalmente no contexto político-epidemiológico com o qual
estamos lidando. O convite para atravessarmos o portal aberto pela linguagem literária
pode ter desdobramentos imaginativos de outros mundos possíveis onde desigualdade,
egocentrismo, ganância, exploração, individualismo compõem uma língua desconhecida.
Contar histórias é um caminho que consideramos potente para metamorfosear relações
entre pessoas, entre seres, entre corpo e Terra, na intenção de vivermos de modo responsável
com o todo. A reflexão sobre a vida humana na relação com as demais, a noção de
coletivo, de dano e vulnerabilidades sem dúvida é um dos legados da pandemia Covid-19.
O reconhecimento de uma pandemia tem gerado alterações significativas na rotina
da humanidade: a suspensão do regime presencial de estudos e trabalho, a ruptura do
cotidiano marcado pela sociabilidade táctil/presencial e a interrupção do convívio físico
com diferentes pessoas da rede de apoio têm motivado um intenso quadro de ansiedade
e instabilidade emocional, agravado pela possibilidade de contágio e por um cenário generalizado
de incertezas.


Celulares, computadores, redes sociais, aplicativos de reuniões e encontros virtuais
mantêm-nos “isolados em conexão”. As lives proliferam como um pedido literal de permanência,
de vida ou sobrevida diante de medo, incerteza, desamparo social. Em meio ao complexo
e intenso mal-estar trazido por um vírus com propriedades orgânicas invisíveis, mas
que ganha diariamente dimensões avassaladoras, alimentado pelo clima de instabilidade
política e econômica do atual cenário nacional, nossa pesquisa-intervenção em tela busca
articular os campos da saúde mental e da literatura, abordando particularmente o recurso
da contação de histórias em seus aspectos expressivos e semiótico-elaborativos. A partir
daí começamos a pensar sobre como seria contar histórias via Instagram, uma vez que esta
prática está enraizada na tradição oral, historicamente situada em contextos narrativos
onde as pessoas se dispõem em proximidade física para escutar e ver toda a performance
do/a narrador/a. Problematizamos como o contar histórias em tempos de distanciamento
físico poderia contribuir para o cuidado em saúde mental, considerando o desafio em bem
escolher temas que pudessem expressar as dores e desafios do atual momento.


É importante ressaltarmos que saúde e saúde mental são conceitos complexos
e historicamente influenciados por contextos sociopolíticos e pela diversidade de práticas
em saúde. No Brasil, o conceito de cuidado em saúde começou a ser entendido de forma
mais complexa - considerando os princípios de universalidade, integralidade e equidade
– durante a elaboração de uma política de saúde pautada na humanização do serviço.
Tais princípios, contudo, coexistem com diferentes abordagens, a exemplo do modelo
biomédico. No conceito da Organização Mundial de Saúde (OMS) destaca-se o completo
bem-estar físico, mental e social como indicadores de saúde, o que acende muitas críticas
dada a impossibilidade de atingi-los totalmente. O termo bem-estar, presente na definição
da OMS, é um componente tanto do conceito de saúde, quanto de saúde mental, entendido
como um constructo de natureza subjetiva, fortemente influenciado pela cultura.

A OMS define saúde mental como “um estado de bem-estar no qual um indivíduo percebe
suas próprias habilidades, pode lidar com os estresses cotidianos, pode trabalhar
produtivamente, e é capaz de contribuir para sua comunidade” (Gaino, Souza, Cirineu,
& Tulimosky, 2018, p. 110).


Entretanto, discutir saúde mental nos tempos atuais significa abordar uma área extensa,
abarca mais que pessoas diagnosticadas com transtornos mentais. O termo saúde
mental refere-se aos campos do conhecimento, trabalho técnico e políticas públicas de
saúde, sendo difícil estabelecer limites para sua definição devido ao seu amplo escopo e por
ser baseado em diferentes tipos de conhecimentos como psiquiatria, neurologia, psicologia,
filosofia, sociologia e outras (Gaino, Souza, Cirineu, & Tulimosky, 2018). No presente
estudo buscamos contribuir à promoção e prevenção de saúde mental (Rosa & Miranda,
2017), no sentido de minimizar, através da ferramenta de “Contar Histórias”, o sofrimento
psíquico advindo dessa nova realidade que estamos enfrentando.


A literatura possibilita que várias reflexões sobre temas sociais sejam abordadas de
um modo mais lúdico, poético, mas também questionador das relações sociais. Segundo
Antonio Candido (2006), a literatura enquanto arte é social tanto pelo contexto em que
é produzida e que se exprime na obra quanto pelo efeito prático que causa naqueles
que entram em contato com ela - seja modificando suas visões de mundo ou reforçando
o sentimento de certos valores sociais. O compartilhamento de narrativas que abordem os
temores intrínsecos à existência e coexistência humanas, bem como histórias sobre a elaboração
dos mesmos, pode se mostrar potente para desencadear processos de identificação
subjetiva. Estes são fundamentais na construção de resistências ao instituído e permitem
vislumbrar outros horizontes semióticos e intervir no círculo de apatia e/ou ansiedade
causada em contextos de instabilidade generalizada que desafia nossas crenças de poder
sobreviver ao desamparo social.


Em atenção às medidas de cuidado individual e coletivo que nos convocam a permanecer
em nossas casas e conservar o distanciamento físico, vislumbramos a contação de
histórias para o “bem viver” como um canal que pode contribuir encurtando as distâncias
e construindo pontes entre nós. O “Bem Viver” aqui se expressa como Tekó Porã, que em
guarani é um conceito filosófico, político e espiritual que se ancora no entendimento da
vida como uma teia a conectar todos os seres, tudo o que é vida, a natureza (Takuá, 2018).
Optamos por tomar a noção de Bem Viver em uma perspectiva ancestral, considerando
suas origens e os sentidos atribuídos por povos originários. As comunidades indígenas
do continente latino-americano procuraram construir suas lutas baseando-se em conhecimentos
ancestrais, populares e espirituais que sempre estiveram fora do cientificismo
próprio da teoria eurocêntrica (Alcântara & Sampaio, 2017).


O Bem Viver se apresenta como uma oportunidade para construir coletivamente uma
nova forma de vida. Não se trata de uma receita expressa em alguns poucos artigos constitucionais
e tampouco de um novo regime de desenvolvimento. O Bem Viver é, sobretudo,
um processo proveniente da matriz comunitária de povos que vivem em harmonia com
a natureza - como os indígenas que

 

não são pré-modernos, nem atrasados. Seus valores, experiências e práticas sintetizam uma civilização viva, que demonstrou capacidade para enfrentar a modernidade colonial. Com suas propostas, imaginam um futuro distinto que já alimenta os debates globais [...] O Bem Viver – ou melhor, os bons conviveres – é uma oportunidade para construir um mundo diferente, que não será alcançado apenas com discursos estridentes, incoerentes com a prática. Outro mundo será possível se for pensado e erguido democraticamente, com os pés fincados nos direitos humanos e nos direitos da natureza. (Acosta, 2015, p. 21)

 

A literatura nos toca de uma forma própria, convida-nos a um mundo fantasioso onde
é possível criar, expressar e elaborar memórias e narrativas. A contação de histórias pode
ser utilizada como uma ferramenta de cuidado e promoção do Bem Viver, em sua potência
transformadora que media a interiorização e a percepção do mundo em si (Rodrigues,
2020). O contato com uma história é um convite à imaginação e à brincadeira de fazer-se
protagonista, (re)contando a sua própria história em cenários imaginativos e encontrar
resoluções criativas.


A dimensão de afeto da literatura, sua sensibilidade que transborda em símbolos
e figuras de linguagem, faz dela uma pertinente tecnologia no campo da saúde mental.
Os saberes em saúde, bem como seus desdobramentos são categorizados por Emerson
Elias Merhy (1999) em três modalidades de tecnologias: as tecnologias duras, que envolvem
equipamentos, máquinas, saberes materializados; as tecnologias leve-duras, que
seriam as normas, os protocolos, o conhecimento clínico e epidemiológico; e as tecnologias
leves, que compreendem relações interpessoais, produção de vínculo, acolhimento
e que, portanto, prescindem de equipamentos ou protocolos de assistência (Merhy, 1999).
Entendemos que a contação de histórias pode compor a caixa de ferramentas das tecnologias
leves em saúde.


Lisboa, Santos e Lima (2017) ressaltam que a tecnologia leve é uma ciência subjetiva
que produz um compromisso permanente com a tarefa de acolher, responsabilizar, resolver
e autonomizar o cuidado. Além disso, quando veiculada e armazenada em redes sociais
digitais, ela se caracteriza como um importante recurso de comunicação e de memória
coletiva sobre um determinado momento: uma forma de registro do que vivemos, como
expressamos e elaboramos estratégias de enfrentamento às adversidades de uma época.
A sinergia entre literatura, histórias para o “bem viver” e saúde mental, anuncia-se no
compromisso com as dimensões dialógica, relacional e coletiva que fundamentam as diretrizes
de saúde mental neste momento e que inspiram a todas as etapas do nosso projeto
intitulado: “A contação de histórias como tecnologia leve no enfrentamento ao sofrimento
psíquico da juventude universitária em tempos de pandemia”1. No presente texto, objetivamos
problematizar uma das dimensões do projeto que é a articulação entre contexto-
-afeto-texto, abordando um dos temas presentes nas histórias videogravadas e veiculadas
no Instagram que é a relação entre morte e memória.


Metodologia


Para realização do presente estudo nos baseamos na pesquisa-intervenção, modalidade
de investigação qualitativa que busca, a partir de situações-problema vivenciadas
no contexto pesquisado, oportunizar a análise coletiva de sentidos e práticas produzidos
por indivíduos e instituições, visando a transformações macro e micropolíticas (Barros,
Paiva, Rodrigues, Silva, & Leonardo, 2018). A pesquisa e a intervenção são consideradas
processos indissociáveis que concomitantemente compreendem e forjam a realidade em questão. Consideramos estes dois movimentos como mobilizadores da atividade criadora, em direção à construção de práticas, discursos e ações em diferentes contextos (Cavagnoli & Maheirie, 2020), os mais desafiadores possíveis como as redes sociais digitais, particularmente o Instagram.

As redes sociais digitais possibilitam conexões entre pessoas e/ou organizações a partir
de interesses diversos, como estabelecer e manter relacionamentos de amizade, amorosos,
relações de trabalho, compartilhamento de informações e diferentes tipos de conhecimentos.
Tais redes têm sido usadas também para realização de protestos políticos, sendo apontadas
como nova modalidade de ativismo e militância (Ribeiro & Moscon, 2018). Quando falamos
sobre o Instagram, destacamos seu alcance por ser uma das maiores redes digitais em número
de usuárias2 na internet; trata-se de um aplicativo baseado em localização móvel que
oferece maneiras diferentes de tirar fotos, utilizar ferramentas de edição para transformar
a aparência da imagem (filtros), postar vídeos e pequenos textos e compartilhar instantaneamente
com as outras usuárias no próprio aplicativo e também em outras redes sociais, como
o Facebook e o Twitter (Oliveira, Ribeiro, Morão, & Machado, 2018).


No Instagram, o perfil da usuária permite a exibição de várias informações pessoais,
como o local de trabalho, de estudo e residência, cabendo a ela deixar esses dados expostos
ou não. A pesquisa de Ribeiro e Moscon (2018) chama atenção para a exposição em perspectiva
positivada, ou seja, predominam postagens/imagens sobre “relacionamento perfeito”,
conquistas, bens materiais, que são alimentadas por comentários e curtidas elogiosas.
Além disso, há a tendência em ocultar informações que são fora dos padrões socialmente
valorizados, destacando-se comportamentos conhecidos como politicamente corretos
(Ribeiro & Moscon, 2018).


Observamos que o Instagram tem sido utilizado em diversas iniciativas e projetos de
contação de histórias, focados principalmente no público infantil, também mobilizados
pelo contexto da pandemia. Muitos desses projetos utilizam o recurso das lives e a maioria
é coordenada por mulheres (Avendaño & Umbelino, 2020; site Lunetas). No entanto,
ao não localizarmos estudos publicizados sobre contação de histórias através do Instagram,
deparamo-nos com algumas pesquisas que tratam do uso combinado ou não do Facebook,
Instagram e YouTube, em diferentes âmbitos sociais e educativos. Os relatos versam sobre
(a) os efeitos do uso das mídias sociais digitais por jovens de comunidades periféricas que
partilham seus cotidianos, histórias, contexto e práticas de si a partir da construção de
um seriado interpretado por elas (Diógenes, 2020); (b) A construção de redes de sociabilidade
com foco na autenticidade da imagem e narrativa de si por jovens de escola privada
(Ew, Hamann, Gomes, Pizzinato, & Rocha, 2018); (c) O contexto de formação em saúde
como ferramenta de comunicação junto a usuários de comunidades, cujo método inicial de
construção da estratégia foi elencar questões sobre como construir o processo, usar a ferramenta
para atingir o objetivo e o público almejado (Bernardes, Dias, Pereira, Fernandes,
Raimondi, & Paulino, 2019).


Diante disso, perguntamo-nos: como fazer pesquisa-intervenção usando o Instagram
em tempos de pandemia mundial? Como as pessoas participarão do nosso projeto?
Como poderíamos interagir com as seguidoras do nosso Instagram? Como contribuir com
as reflexões e construções sobre o “Bem Viver” por meio de histórias postadas nessa rede
social? Iniciamos o processo de pesquisa-intervenção desafiando-nos a aprender durante
o percurso, ou seja, guiando-nos precariamente por mapas, bússolas, GPS, ampulhetas que
mais do que indicar o caminho, solicitam-nos que ele seja constantemente produzido.

Todo o processo de criar a conta do projeto no Instagram (intitulada: Conta.1história),
até a veiculação da história, observação dos comentários e lançamento da janela em Libras
fez-nos sistematizar um caminho para a construção de informações da pesquisa, de modo
que estabelecemos cinco etapas em nossa rota.


Primeira etapa: divulgação do projeto nas redes sociais. Para isso, utilizamos a rede
de contatos do WhatsApp da equipe de pesquisa. A proposta consistiu em convidar estudantes
e profissionais de duas instituições públicas de ensino superior de Pernambuco
(Universidade Federal de Pernambuco- UFPE; Universidade Federal Rural de Pernambuco
– UFRPE/Unidade Acadêmica de Serra Talhada) e uma de Alagoas (Universidade Federal
de Alagoas – UFAL/Unidade de Palmeira dos Índios), para que contassem uma história
perpassada por uma mensagem sobre o Bem Viver, gravando sua narrativa em vídeo
e o encaminhando para o e-mail do projeto. As pessoas interessadas em participar foram
orientadas a acessar e preencher um formulário eletrônico que busca coletar informações
pertinentes para o projeto - dados gerais, se a pessoa tem ou não conta do Instagram
e a validação do pedido de consentimento para a postagem do vídeo e veiculação de sua
imagem em demais produtos vinculados ao projeto. A equipe de acolhimento recebe os
formulários e fica em contato com as contadoras, ratificando as informações e recolhendo
o feedback delas sobre as repercussões da experiência de contar e gravar a história,
bem como o acompanhamento dos comentários no Instagram.


No formulário indicamos o modo de gravar o vídeo e também definimos brevemente
o princípio do Bem Viver. Esse é um conceito comumente associado à vida saudável
e à qualidade de vida, tendo natureza polissêmica, passível de diferentes concepções,
como viver melhor, bem-estar e desenvolvimento humano, conforme abordamos na introdução
do presente artigo (Alcântara & Sampaio, 2017). Enquanto equipe estamos empenhadas
em defender o sentido ancestral e afro-indígena da concepção de Bem Viver, compondo artesanalmente
esse conceito a partir das pistas do indígena e ativista ambiental Ailton Krenak
(2019) e das contribuições de Luiz Simas e Luiz Rufino (2019, p. 62) sobre a atitude ecológica:
“A presença, o ato, a palavra, a comunicação verbal ou não-verbal são funções de catalisação,
imantação e mobilização da vida presente nas mais diversas formas de natureza”.
Segunda etapa: os vídeos recebidos pela equipe de acolhimento são enviados para
a equipe de curadoria. Buscamos na literatura o que significa o trabalho da curadora
e encontramos que a palavra tem origem epistemológica na expressão que vem do latim
curator, que significa tutora, aquela que tem uma administração a seu cuidado, sob sua
responsabilidade. A curadora de qualquer exposição é sempre a primeira responsável pelas
escolhas das obras, da cor das paredes, da iluminação. Potencializando a curadoria em
sua dimensão educativa, destaca-se a importância de ações em instituições culturais como
museus e centros de artes - nesses, a curadoria educativa tem como objetivo explorar
a dimensão artística como veículo de ação cultural (Martins, 2006).


Encontramos também a curadoria digital, termo cujo uso é recente: seu surgimento
no Brasil foi em 2004 e veio com a necessidade do monitoramento de novas tecnologias
e ferramentas. As profissionais de curadoria digital devem considerar várias políticas
e procedimentos na aquisição, gestão e fornecimento de acesso a acervos com materiais
digitais (Boeres, 2017). O termo está sendo usado cada vez mais em ações necessárias para
manter dados de pesquisa em meio digital e outros materiais ao longo de seus ciclos de
vida e do tempo para as gerações atuais e futuras de usuárias (Nunes, Silva, & Costa, 2020).

O trabalho de curadoria digital consistiu na sistematização e relação de/entre os dados
das histórias, a partir da formulação de uma tabela com cinco entradas, considerando
a tríade contexto-afeto-texto e as dimensões macropolíticas, mesopolíticas e micropolíticas
de nossa pesquisa-intervenção: (a) título; (b) comentários gerais (temáticas principal
e secundárias abordadas na história); (c) relação com as histórias já postadas; (d) indicação
de data para postagem a partir do critério de articulação com a história anterior, de forma
a manter um encadeamento temático; (e) observações sobre o contexto da contação da história
(cenário e performance de quem conta, articulação da história com o momento atual
de pandemia e com o cenário mais amplo de instabilidade social, densidade psicológica da
história - possíveis forças psíquicas que ela mobiliza).


Todos os vídeos que nos chegam são armazenados no banco de histórias do projeto
e as pessoas que enviam são informadas de que eles serão publicados caso atendam ao princípio
do Bem Viver e no momento em que a curadoria julgar apropriado, considerando as
relações entre contexto (os acontecimentos macro políticos) – afeto (o que a história suscita
em termos de forças psíquicas de sofrimento/superação) – texto (elementos presentes
na própria narrativa, aspectos dos/as personagens que possibilitem identificações subjetivas
estratégicas para o momento e a mensagem da história). O trabalho da curadoria além
da catalogação é o encadeamento temático das histórias que serão postadas a cada semana,
de modo que seja mantida uma relação entre os temas.


No primeiro ciclo do projeto3 recebemos o total de 21 histórias – sendo de 17 narradoras
e quatro narradores; nove são estudantes universitárias (dos cursos de Letras, Psicologia,
Cinema e Engenharia) e 12 são profissionais (técnicas em educação, docentes e psicólogas).
Desse montante, postamos 11 histórias, sendo as demais armazenadas para veiculação no
próximo ciclo. Abaixo temos um exemplo do quadro de classificação das histórias já postadas,
com as principais temáticas elencadas pela curadoria, o encadeamento das mesmas
ao longo das semanas e a provocação/reflexão sugerida a partir de cada narrativa.

 

Para ler o artigo na íntegra por favor clique aqui. 

 

Data da última modificação: 01/10/2020, 19:21