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Epidemiologia Matemática: passado, presente e futuro

A seguir, apresentaremos um breve resumo de alguns dos aspectos mais importantes do desenvolvimento da epidemiologia matemática.

Título Original: Mathematical epidemiology: Past, present and future
Título traduzido: Epidemiologia matemática: Passado, presente e futuro
Autor: Fred Brauer – Universidade da Colúmbia Britânica (University of British Columbia), Vancouver, Canadá
Resumo: A seguir, apresentaremos um breve resumo de alguns dos aspectos mais importantes do desenvolvimento da epidemiologia matemática.

Projeto Covid-19 e a Matemática das Epidemias - Fazendo a Ponte entre Ciência e Sociedade

Tradução: Danillo Barros de Souza
Síntese: Camila Sousa
Coordenação: Felipe Wergete Cruz


 

Epidemiologia Matemática: passado, presente e futuro

 

Doenças transmissíveis sempre fizeram parte da história da humanidade. Desde o começo dos registros históricos, existiram epidemias que invadiram populações, causando milhares
de mortes antes de seu desaparecimento. Ou voltaram à cena tempos depois, mas diminuindo sua incidência de forma severa, à medida que a população desenvolveu imunidade.

Foi o caso da Gripe Espanhola, que causou mais de 50 milhões de vítimas ao redor do mundo. Mas, do outro lado da moeda, ainda existem doenças sazonais, surgidas em uma época específica do ano e que reaparecem e são responsáveis por uma grande quantidade de mortes todos os anos.

Por exemplo, as vítimas fatais causadas pela peste bubônica se espalharam da Ásia para a Europa em várias ondas durante o século XIV e, segundo estimativas, causou a morte de pouco mais de um terço da população europeia entre os anos de 1346 e 1350. A doença reapareceu regularmente em diversas partes do continente europeu por mais de 300 anos.

Ainda há doenças com altas taxas de letalidade que se tornaram endêmicas (sempre presentes) em algumas populações. Elas são muito comuns em países em desenvolvimento e que possuem sistemas de saúde precários. A cada ano, milhões de pessoas morrem de sarampo, infecções respiratórias, diarréia, dentre outras doenças que são facilmente tratadas e não consideradas perigosas no mundo ocidental.

Dito isso, o foco de um cientista na área de epidemiologia é, primeiro, entender as causas das doenças e só então prever seus cursos e finalmente desenvolver maneiras de controlá-las, incluindo comparações de diferentes abordagens possíveis.

Um pouco de História

O estudo de doenças infecciosas começou com o trabalho de John Graunt (1620-1674) em seu livro lançado em 1662, “Natural Political Observations made upon the Bills of Mortality”, que significa Observações Políticas Naturais feitas sobre as Contas da Mortalidade, em livre tradução.

Os dados foram contabilizadas a partir dos números de casos de mortes em paróquias de Londres. Os registros foram iniciados em 1592 e mantidos constantes de 1603 até os dias atuais. Graunt analisou vários casos de morte e produziu um método para estimar e comparar riscos de vítimas por dezenas de doenças, fornecendo assim, a primeira abordagem sobre a teoria de riscos concorrentes. Outro cientista importante na área de epidemiologia matemática foi Daniel Bernoulli (1700-1782). Seu modelo é usualmente descrito como o primeiro modelo do mundo sobre a inoculação (inserir microorganismos em um meio de cultura) contra a varíola, doença que virou epidemia no século XVIII.

A abordagem de Bernoulli calculou o crescimento da expectativa de vida no caso da varíola ser descartada como a causa da morte. Sua metodologia levou à publicação de um breve ensaio em 1760 (veja a referência [1]), seguido por uma publicação mais completa em 1766 (veja a referência [2]).

John Snow (1813-1858) também foi outro cientista a auxiliar bastante o entendimento das doenças infecciosas, antes mesmo de se tomar conhecimento sobre elas. John, que era médico, estudou padrões temporais e espaciais no comportamento dos casos da epidemia de cólera em 1855, ocorrida em Londres. Foi ele que identificou uma bomba d'água na rua Broad Street (atualmente conhecida como Broadwick Street, localizada em Soho, um bairro de Londres) como o foco da infecção (veja a referência [3]).

Dezoito anos depois, em 1873, o epidemiologista inglês William Budd foi capaz de atingir um entendimento similar sobre a disseminação de febre tifóide (veja a referência [4]). Em 1840, o médico britânico William Farr estudou o retorno estatístico com o foco sobre a descoberta de leis que dominam o crescimento e a queda de epidemias (veja a referência [5]).

Os modelos compartimentais

Para se descrever um modelo matemático para o espalhamento de uma doença, é necessário fazer suposições sobre os seus meios de propagação de infecção. Hoje, a visão moderna é tida a partir do espalhamento por contato com vírus ou bactérias.

Os modelos básicos comportamentais foram propostos por Kermack e McKendrick (veja as referências [6], [7] e [8]). Em sua versão mais básica, a dinâmica infecciosa foi tratada a partir de um modelo chamado Suscetível-Infectado (SI), o qual considera o tempo de infecção desde o primeiro paciente infectado. Vários surtos epidêmicos, incluindo o SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave), em 2002, a ameaça iminente da influenza H1N1, em 2005, a pandemia de H1N1, em 2009, e o Ebola, em 2015, trouxeram de volta o interesse em estudos epidemiológicos a partir das
formulações dadas pelos modelos de Kermack- McKendrick.

Em seus trabalhos, há um valor limite, o número de reprodução básica, também chamado de fator R0. Ele representa o número esperado de casos da doença produzido por um indivíduo infectado, sobre todo o curso infeccioso do período, em relação à uma população inicialmente suscetível.

Modelos Estocásticos

O modelo comportamental simples assume que os tamanhos dos compartimentos populacionais são grandes o suficiente para misturar seus membros de maneira homogênea. Entretanto, no início de um surto epidêmico, há uma quantidade muito pequena de indivíduos infecciosos e a transmissão da infecção é um evento estocástico (evento de natureza dinâmica aleatória), dependendo do padrão de contato entre os membros da população.

O processo a ser descrito é conhecido como Galton-Watson, e o resultado é apresentado na referência [9]. Ele descreve o início de surtos epidêmicos com a suposição inicial de que o contato entre indivíduos pode ser dado por uma rede (network), cujos membros (vértices) são a população e o contato entre eles são as arestas (links).

O modelo estocástico mais comum é o modelo de cadeia combinatória fornecido por Reed e Frost, descrito primeiramente em aulas ministradas em 1928 por Frost, mas o modelo não
foi publicado até 1942 (veja a referência [10]). No entanto, ele vem sendo usado em todo o mundo como o modelo estocástico mais básico aplicado hoje.

Referências

[1] D. Bernoulli, Réflexions sur les avantages de l'inoculation, Mercure de Paris (1760), 173-190.
[2] D. Bernoulli, Essai d'une nouvelle analyse de la mortalité causée par la petite vérole (1766), Mem. Math. Phys. Acad. Roy. Sci. Paris.
[3] J. Snow, The mode of communication of cholera (2nd ed.). London: Churchill (1855).
[4] W. Budd, Typhoid fever; its nature, mode of spreading, and prevention. London: Longmans (1873).
[5] W. Farr, Progress of epidemics, Second Report of the Registrar General of England and Wales (1840).
[6] W. O. Kermack & A. G. McKendrick, A contribution to the mathematical theory of epidemics. Proceedings of the Royal Society of London A: Mathematical, Physical and Engineering Sciences, 115 (1927), 700-721.
[7] W. O. Kermack & A.G. McKendrick, Contributions to the mathematical theory of epidemics, part. II. Proceedings of the Royal Society of London, 138 (1932), 55-83.
[8] W. O. Kermack & A. G. McKendrick, Contributions to the mathematical theory of epidemics, part. III. Proceedings of the Royal Society of London, 141 (1933), 94-112.
[9] F. Galton, Natural inheritance (2nd ed.) App. F (1889).
[10] H. Abbey, An estimation of the Reed-Frost theory of epidemics. Human Biology, 24 (1952), 201-223.

Data da última modificação: 22/06/2020, 18:50