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Pesquisador explica projeto de avaliação de diversidade genômica de cepas de Sars-Cov-2

O Observatório Covid-19 entrevistou o professor do Departamento de Genética (CB) e pesquisador do Laboratório de Bioinformática e Biologia Evolutiva (LABBE), Valdir de Queiroz Balbino, para falar sobre a importância do envolvimento da universidade no combate à pandemia do coronavírus. Balbino é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas e coordenador adjunto de Cursos Profissionais da Área de Ciências Biológicas I da Capes. Na entrevista, o docente explica seu projeto e contextualiza as ações de pesquisa integrada da UFPE neste momento emergencial de saúde pública.

 

 

O professor Valdir de Queiroz Balbino desenvolve o projeto “Diversidade genômica de cepas de SARS-Cov-2 isoladas de portadores da COVID-19 do Estado de Pernambuco, Brasil”, que integra o Programa Institucional de Ações de Pesquisa para o Enfrentamento da Pandemia da Covid-19. O programa tem como objetivo apoiar a implementação de ações de pesquisa na UFPE a curto prazo voltadas a prevenção, assistência, diagnóstico e prognóstico dos impactos do novo coronavírus (Covid-19). O programa é coordenado pela Pró-Reitoria para Assuntos de Pesquisa e Pós-Graduação (Propesq).

 

OBSERVATÓRIO - Como ocorreu a adequação da rotina do laboratório à chamada emergencial para elaboração de um plano de ação para o enfrentamento da Covid-19?

 

Balbino - Alguns dos laboratórios da UFPE já dispunham dos equipamentos básicos e da expertise necessária à realização da detecção do SARS-Cov-2 através da técnica de RT-PCR em tempo real. Entretanto, em função dos dramáticos cortes nos recursos destinados às áreas de educação, ciência, tecnologia e inovação observados nos últimos anos, a infraestrutura de pesquisa destes mesmos laboratórios carece de melhoramentos, como forma de garantir que as pesquisas desenvolvidas na instituição estarão em condições de igualdade com os grandes centros de pesquisa do Brasil e do mundo. A disponibilidade de um parque tecnológico contemporâneo terá impacto também na qualidade da formação dos estudantes dos cursos de graduação e de pós-graduação, com reflexos diretos e imediatos na qualidade dos serviços cada vez mais complexos demandados pela sociedade.

A manipulação de amostras clínicas obtidas a partir de pacientes portadores da Covid-19 demanda a adoção de rígidas normas de biossegurança, dada a elevada capacidade de contaminação individual e ambiental deste patógeno. Deste modo, a UFPE estabeleceu como condição operacional que as ações de detecção viral, via RT-PCR, e de sequenciamento genômico sejam desenvolvidas por pesquisadores e técnicos com sólida formação em biologia molecular e que recebam treinamento específico para o manuseio de amostras de SARS-Cov-2. E, finalmente, a instituição também determinou que todos os procedimentos realizados com amostras do vírus sejam conduzidos em laboratórios com níveis de biossegurança adequados.

 

OBSERVATÓRIO - O que é sequenciamento do genoma do vírus? Como este estudo pode ajudar de forma imediata nas ações contra a disseminação do vírus?

Balbino - Estamos vivenciando um momento extremamente complexo na história da humanidade, em decorrência dos altos graus de agressividade e transmissibilidade do SARS-Cov-2. Lidamos com um “inimigo” praticamente desconhecido e para o qual não se dispõe de vacinas e de agentes terapêuticos específicos. Resta, então, aos órgãos de saúde nacionais estabelecer políticas de enfrentamento à Covid-19 (a exemplo daquela do isolamento social, preconizada pela Organização Mundial de Saúde e pelo Ministério da Saúde) que reduzam a velocidade da disseminação da Covid-19 na população brasileira, evitando o colapso do sistema de saúde (público e privado) e a consequente redução do número de óbitos entre as pessoas infectadas.

O sequenciamento do genoma do SARS-Cov-2, realizado através do emprego de modernas técnicas de biologia molecular, resulta na decifração do conjunto de informações genéticas utilizadas pelo vírus durante o processo de invasão das células humanas. O genoma do Sars-Cov-2 é extremamente pequeno (~30.000 bases) e simples, quando comparado aos genomas bacterianos, por exemplo, que são ordens de grandeza maiores e mais complexos. O estudo do genoma do SARS-Cov-2 é de fundamental importância para a compreensão da sua dinâmica evolutiva, uma vez que o conteúdo genético dos vírus acumula mutações com grande facilidade. Foi através deste tipo de investigação, por exemplo, que se descartou a possibilidade deste vírus ter resultado de manipulação laboratorial intencional, tema que foi recorrentemente ventilado pelos adeptos das teorias conspiratórias. Foi também através de estudos genômicos que se reconheceu a possibilidade de que o SARS-Cov-2 tenha se originado a partir de coronavírus semelhantes (SARS-CoV-2-likeCoVs) encontrados naturalmente em morcegos e no pangolim.

A análise genômica também permite compreender a dinâmica de transmissão do SARS-Cov-2 nas populações, sendo uma ferramenta essencial para definir as relações genética existentes entre as cepas circulantes em um bairro/município/estado/país. Adicionalmente, considera-se que as informações derivadas do reconhecimento das mutações encontradas neste vírus contribuam decisivamente para o desenvolvimento de novos fármacos, métodos diagnósticos e vacinas, que levem em consideração a variabilidade genética nele encontradas. Os estudos atuais apontam para um alto grau de conservação genética no SARS-COV-2 (o que poderia ser explicado em função da sua origem muito recente), levando os especialistas a sugerirem que uma formulação vacinal, uma vez estabelecida, poderia ser eficaz para a imensa maioria das pessoas.

 

OBSERVATÓRIO - Algumas universidades já estão realizando experimentos sobre o sequenciamento genético do vírus. Em quanto tempo a UFPE já terá resultados sobre o sequenciamento?

 

Balbino - Por ainda não dispor de plataformas de sequenciamento de nova geração (NGS), que permitem a “leitura” de bilhões de bases em um curtíssimo intervalo de tempo, os pesquisadores da UFPE buscaram o apoio logístico do Instituto Aggeu Magalhães – IAM (unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz sediada no Recife, no campus da UFPE). A primeira etapa a ser cumprida diz respeito à transferência de tecnologia entre as instituições, que será materializada nas próximas semanas através do treinamento da equipe da UFPE, à semelhança do que vem sendo praticado em relação aos métodos de detecção viral através da RT-PCR. Em paralelo, o processo de aquisição dos insumos necessários ao sequenciamento do genoma viral já foi deflagrado pela UFPE, sendo este um importante gargalo a ser vencido em função da intensa procura destes itens por pesquisadores de instituições nacionais e internacionais. Estamos em frequente contato com as empresas fornecedoras, visando estabelecer uma logística que permita que os reagentes sejam disponibilizados no menor intervalo de tempo possível. Levando em conta estes dois fatores, consideramos como sendo muito provável que a etapa de sequenciamento possa ser concluída em até 45 dias.

 

OBSERVATÓRIO -  Como você vê as ações de pesquisa integrada da UFPE neste momento emergencial de saúde pública?

Balbino - Tão logo a Covid-19 passou a ser tema de recorrente preocupação dos órgãos de saúde nacionais, a UFPE deflagrou um intenso processo de busca ativa de pesquisadores nela lotados que pudessem auxiliar na definição de temas de pesquisa que pudessem ser prontamente aplicados no enfrentamento da doença. A adesão dos pesquisadores ao chamamento institucional foi surpreendente (em função das medidas de isolamento social adotadas no Estado de Pernambuco, que resultaram na suspensão das atividades acadêmicas da UFPE), revelando o já conhecido compromisso dos nossos pesquisadores com o desenvolvimento de trabalhos que resultem na melhoria das condições de vida da população pernambucana. O processo institucional de definição de soluções aplicáveis na minoração dos efeitos da Covid-19 na sociedade está sendo conduzido com transparência, eficiência e seriedade, deixando-nos motivados com a possibilidade de atuarmos nas diferentes frentes de trabalho que serão viabilizadas pela UFPE.

OBSERVATÓRIO - Você consegue prever alguns impactos imediatos na melhoria da qualidade de vida das pessoas?

Balbino - A UFPE desempenhará um papel muito importante neste momento de grave comoção nacional, ao colocar à disposição da sociedade os múltiplos saberes dos seus pesquisadores, técnicos e estudantes de graduação e de pós-graduação. Espera-se que, ao final desta fase tão conturbada, saíamos todos mais fortes e ainda mais comprometidos com o bem comum. Para a sociedade brasileira, ficarão certamente várias lições, entre elas: a percepção de que o Sistema Único de Saúde é um bem público de valor incalculável e que deve, portanto, ser valentemente defendido por todos nós. Esperamos também que a sociedade brasileira pós-pandemia passe a ver com mais atenção e respeito o trabalho sério e abnegado que é conduzido nas universidades e institutos de pesquisa e que abracem, definitivamente, a nossa causa, que tem como maior objetivo o crescimento econômico sustentado do nosso país, mas sem abrir mão do seu elemento mais valoroso: o cidadão, todos eles, tratados como iguais e dignos de muito respeito e cuidado por parte dos nossos gestores. Fiquemos em casa, dando ouvidos à voz da ciência e do bom-senso, e cuidemos uns dos outros.

Balbino é bacharel em Ciências Biológicas pela UFPE (1993), mestre em Genética pela UFPE (1997) e doutor em Biologia Parasitária pela Fundação Oswaldo Cruz (2002). Ministra as disciplinas de Genética de Populações e Evolução, Evolução Molecular, Bioinformática Aplicada à Genética e Genética Forense nos níveis de graduação e pós-graduação. É chefe do LABBE, em que desenvolve pesquisas na área de Genética, com ênfase em Genética de Populações e Evolução. Atua, principalmente, nos temas Genética de Populações Humanas, Genética Forense, Bioinformática, Genética e Evolução de Insetos de Interesse Médico, Veterinário e Agronômico. Também é responsável técnico-científico pelo Serviço de Determinação de Paternidade da UFPE desde o ano de 2014.

 

Mais informações
LABBE | (81) 2126.8512 

 

 

Data da última modificação: 09/04/2020, 06:00