Notícias Notícias

Voltar

CURIOSIDADE: 153 anos do incêndio na FDR

 

Há exatos 153 anos, em 10 de setembro de 1868, o edifício onde funcionava a Faculdade de Direito do Recife – popularmente conhecido como Pardieiro – foi acometido por “um violento incêndio” que destruiu parte do prédio localizado na Rua do Hospício.

A força-tarefa montada para conter as chamas contou com a participação da Delegacia de Polícia, das forças do Arsenal da Marinha, da Guarda Nacional e da Alfândega, além de vários populares que se colocaram à disposição para ajudar a salvar a Faculdade.

Graças a todo esse esforço, conseguiu-se salvar o acervo do Arquivo e da Biblioteca e grande parte da mobília, que foram recolhidos ao Quartel da Rua Hospício, próximo ao prédio.

Segundo o Professor Tarquínio Bráulio de Souza Amaranto, autor da Memória Histórica de 1868, o incêndio teve início depois de encerradas as aulas do dia, quando não havia mais alunos nem funcionários no prédio. Depois de cinco dias de suspensão, os serviços da Faculdade passaram a funcionar no prédio destinado às aulas preparatórias, anexas à Faculdade.

O autor relata: “Assim, destruída a terça parte do edifício com os móveis que nela estavam, e consideravelmente estragadas as outras duas, no dia seguinte, os que foram à Faculdade, como bem disse o chistoso cantor da Morte do Pardieiro: Viram somente ruínas/ Cadeiras, livros no chão,/ As cinzas tomando o ponto/ E o vento dando a lição.”

Infelizmente, depois de alguns reparos, as aulas retornaram ao "Pardieiro'', que já apresentava cômodos insalubres mesmo antes do incêndio, onde permaneceu até a década de 1880.

O relatório sobre o ocorrido, feito pelos Chefe de Polícia e o Subdelegado e publicado no Jornal do Recife, foi transcrito pelo Projeto Memória. Confira abaixo:

 

 

Repartição da Polícia

 

N. 6439. -- 1ª seção -- Secretaria de Polícia de Pernambuco, 11 de setembro de 1868.

Ilm. Exm. Sr. Levo ao conhecimento de V. Exc. que ontem, por volta de uma e meia hora da tarde, dando os sinos da matriz de Santo Antônio desta cidade, sinal de fogo na freguesia da Boa Vista, o que logo foi por mim ouvido, procurei transportar-me ao lugar do incêndio para dar as providências que estivessem ao meu alcance, ou ordem a extinguiu-o, ou ao menos limitar o seu desenvolvimento o mais possível.

            Sabendo em caminho, que o incêndio que se manifestará pouco tempo antes, e que fora descoberto pelos oficiais do 3º Batalhão de Infantaria da Guarda Nacional, lavrava já intensamente na parte do edifício em que funciona a Faculdade de Direito, que deita para o sul e faz face para o oitão do quartel do Hospício, para lá me dirigi em seguida e depois de um trabalho insano e de esforços extraordinários, que duraram mais de três horas, tive a satisfação de observar que o incêndio estava dominado, tendo apenas exercido sua ação devastadora sobre a parte do edifício acima indicada.

            Ao chegar naquela localidade, já encontrei uma força da polícia e outra do batalhão aquartelado no Hospício, e tratei de dar as providências que as circunstâncias reclamavam sem perda de tempo, no que foi também auxiliado por uma força do 1º Batalhão de Infantaria, que chegou logo depois, pelo subdelegado respectivo bacharel João Juvencio Ferreira de Aguiar, que já ali se achava prestando muito bons serviços e pelo Dr. Pedro de Athayde Lobo Moscoso, capitães José Graciano Vieira Amorim e Joaquim Pereira de Mendonça, tenentes Justino e Campos, este do 2º e aquele do 8º Batalhão da Guarda Nacional, tenente reformado do exército Álvaro Conrado Ferreira de Aguiar e pelos engenheiros civis, Drs. Manoel de Barros Barreto, Pedro Barbalho Uchôa Cavalcanti e Felippe de Figueirôa Faria, aos quais incumbi da direção do serviço, o que foi feito por eles, por todas as pessoas acima referidas e por muitas outras que estiveram presentes, como o Dr. Delegado da capital, o comandante e oficiais do corpo de polícia, tenentes coronéis Sebastião José Basilio Pyrrho e Francisco de Miranda Leal Seve, como tudo V. Exc. presenciou e consta da parte inclusa do subdelegado do lugar.

            Funcionaram para a extinção do incêndio seis bombas, sendo a do corpo de polícia a primeira que lá chegou e também a primeira que se desconcertou, pelo que pouco ou nenhum serviço prestou. A que funcionou melhor foi a da Alfândega, que serviu até o fim, e do Arsenal de Guerra, que, tendo ficado algum tempo depois desconcertada, prestou, entretanto, muito bons serviços até que isso se desse.

            Por haver falta d’água no lugar do sinistro e nas suas proximidades, foi preciso lançar mão d’água salgada do rio que por ali passa, sendo que, para maior inconveniência do serviço, estava então baixa e quase seca a maré, impossibilitando assim de funcionar logo regularmente a bomba do Arsenal da Marinha, que só algum tempo depois pôde prestar bons serviços com a água fornecida pelo chafariz mais próximo.

            Vem aqui a propósito ponderar a V. Exc. que a necessidade de regularizar semelhante serviço é de suma importância, visto como tornou-se então evidente, como quase sempre acontece em circunstâncias idênticas, que apesar dos esforços e bons desejos das autoridades e particulares, não se pôde marchar com a ordem que fora para desejar, e que se faz indispensável em casos tais.

            Felizmente conseguiu-se salvar o arquivo da secretaria da Faculdade e grande parte da mobília, tendo sido tudo recolhido, conforme foi por mim presenciado e informa o subdelegado no incluso ofício, ao quartel do Hospício; e nenhum desastre há a lamentar a não ser o ter ficado gravemente contuso, e creio mesmo que em perigo de vida, por uma trave que recebeu sobre as costas, o soldado do corpo de polícia Sebastião Alves Marinho, e o prejuízo dos donos do prédio, que ficou em parte devorado pelas chamas, e em parte muito estragado pelos cortes e demolições, que se tornaram indispensáveis para interceptar o fogo, que sem essa cautela teria se comunicado ao restante do edifício, e talvez aos prédios vizinhos.

Às seis horas da tarde, não se fazendo mais precisa ali a minha presença, fiz recolher a quartéis a força de polícia e do 1º Batalhão de Infantaria que lá se achavam, ficando apenas uma força de vinte praças e um oficial do 3º Batalhão de Infantaria à disposição do subdelegado, e a bomba da Alfândega de que acima tratei, bem como uma outra pequena do Arsenal de Marinha com o competente material e pessoal para qualquer emergência que sobreviesse, como ontem e logo depois tudo verbalmente comuniquei a V. Exc.

            Pede a justiça que eu faça aqui menção do cidadão André de Abreu Porto, artista Romão Maximiano da Cunha, estudante da Faculdade Carolino de Lima Santos e guarda do 3º Batalhão de Infantaria João Nepomuceno Nogueira Barros, que foi o primeiro que subiu às janelas da parte incendiada do edifício, subdelegado do lugar, que sofreu uma leve contusão sobre o parietal esquerdo, e muitas outras pessoas de diversas classes, cujos nomes sinto ignorar, por não poder render-lhes agora os devidos elogios pelos valiosos serviços que prestaram em tal conjuntura.

            Parecendo-me conveniente proceder às necessárias indagações para descobrir a causa que deu lugar ao incêndio, comecei ontem mesmo esse serviço interrogando no próprio lugar alguns empregados da Faculdade, como os serventes Elias Francisco de Souza Barros, que foi quem abriu as portas do edifício que estavam fechadas, e Manoel Antônio da Porciuncula Ferreira; e bem assim o contínuo Joaquim José Ferreira de Almeida, que foi o último que se retirou do edifício ao terminar a aula dirigida pelo Conselheiro João Silveira de Souza, que foi também a última do dia. Dessas indagações e das que continuo, ainda a proceder, não colhi até agora dados suficientes para habilitar-me a precisar o motivo do incêndio, e poder informar com segurança a V. Exc. se ele foi casual ou o resultado de uma intenção criminosa; entretanto parece-me que não andarei longe da verdade, acreditando que um tal desastre não pode ser atribuído a malevolência de algum.

            É quanto se me oferece levar ao conhecimento de V. Exc. acerca de tão desagradável acontecimento, e concluindo, devo declarar a V. Exc. que me foi impossível evitar a confusão, que em ocasiões iguais costuma aparecer pela concorrência da população ao lugar do sinistro, sem embargo do desejo que muitos manifestavam de prestar serviços, como de fato prestam, especialmente as pessoas do povo.

            Deus guarde a V. Exc. -- Ilm. e Exm. Sr. Conde de Baependi, Presidente da Província -- O Chefe de Polícia, João Antônio de Araújo Freitas Henriques.

            Cópia. -- Subdelegacia de polícia do 1º distrito de freguesia da Boa Vista, 10 de setembro de 1868. -- Ilm. Sr. -- Acabo de retirar-me agora (8 1/2 horas da noite) do sítio onde teve lugar o incêndio, tendo feito extinguir todo o fogo que lavrava pelo alto do edifício. Fiz recolher todos os móveis ao quartel do Hospício, e mandei retirar as bombas, deixando uma guarda da qual distribui quatro sentinelas.

            Darei de tudo a V. S., com mais vagar, uma participação circunstanciada.

            Deus guarde a V. S. -- Ilm. Sr. Dr. João Antônio de Araújo Freitas Henriques, muito digno chefe de polícia. -- O subdelegado, João Juvencio Ferreira de Aguiar. -- Conforme. -- O secretário, Eduardo de Barros Falcão de Lacerda.

            Cópia. -- Subdelegacia de polícia do 1º distrito da freguesia da Boa Vista, 11 de setembro de 1868. -- Ilm. Sr. -- Tendo, ontem, comunicado ligeiramente a V. S. a extinção do incêndio, cumpre-me, agora, dar de tudo uma informação minuciosa.

            Ontem, às 2 horas, pouco mais ou menos, estando eu na matriz desta freguesia, assistindo ao processo eleitoral que nela se procede, fui informado de que se manifestava no edifício em que funciona a Faculdade de Direito um violento incêndio.

            Dei imediatamente ordem para que se tocasse o sinal do costume e segui para o Hospício, onde está situado aquele edifício.

            Ali fui informado de que o incêndio já lavrava, havia perto de meia hora, tendo sido descoberto por oficiais e praças do quartel, que fica contíguo à Faculdade de Direito, encontrando já um crescido número de pessoas, entre as quais se viam muitas praças das aquarteladas naquele quartel, o Dr. Pedro de Athayde Lobo Moscoso, o capitão José Daciano Vieira de Amorim, o alferes reformado do exército Álvaro Conrado Ferreira de Aguiar e outros, que todos diligenciavam para pôr termo ao incêndio.

No meio da desordem que reinava então, procurei, até onde foi possível, regularizar o serviço distribuindo-o do modo que me pareceu mais conveniente.

            Assim, por mim mesmo e ajudado por meus inspetores de quarteirão, praças que estavam à minha disposição, e cidadãos que se ofereciam para trabalhar, salvei todo o arquivo da secretaria da Faculdade e grande porção de papéis e livros que ali existiam, sendo preciso, para salvar estes últimos, quebrar os vidros das estantes por isso que, sendo estreita a porta da secretaria e muito pesadas as mesmas estantes, não poderiam ser elas retiradas, sob pena de serem incendiadas antes disso.

Em seguida, sendo informado de que no quartel contíguo havia grande porção de pólvora, para lá me dirigi, em companhia do tenente-coronel Sebastião José Basilio Pyrrho, que me apareceu nessa ocasião, e, de combinação com o oficial citado, fiz retirá-la toda para o quartel general.

Convindo retirar do edifício incendiado os móveis, não só para poupar o mais possível os estragos, como para diminuir todo o alimento para o fogo, dei ordens neste sentido, que se executaram prontamente, incumbindo-me eu mesmo, ajudado pelo engenheiro Manoel de Barros Barreto, de dirigir a retirada da mobília rica, que havia em uma das salas, a qual salvou-se toda, sem avaria notável.

Entretanto, cumpre-me dizer que, não havendo serviço regular para os incêndios, muitos estragos se dão sem necessidade, o que, ontem se verificou ainda uma vez, como V. S. teve ocasião de ver.

Quanto às bombas, cumpre-me dizer que muito demoraram em chegar, tendo sido a do corpo de polícia a que primeiro apareceu, acompanhada por algumas praças e pelo tenente-coronel Francisco Carneiro Machado Rios Júnior, major Antônio Feitosa de Mello e outros oficiais do mesmo corpo, cujos nomes ignoro.

Compareceram depois as bombas do Arsenal de Marinha, em número de duas, a do Arsenal de Guerra e a da Alfândega, sendo que as que melhores serviços prestaram foram esta última e uma das do Arsenal de Marinha

Quanto à origem do incêndio e quem tenha sido o seu autor, nada pude ainda descobrir com certeza, o que procurarei conseguir com mais pausa.

Concluindo esta informação, permita V. S. que eu signifique os meus agradecimentos, por ter V. S. se dignado de ativar os trabalhos de que eu me havia incumbido, por força do meu cargo, com sua presença, energia e acertadas ordens, bem como que eu recomende a V. S. os seguintes das pessoas que mais serviços prestaram: engenheiros Drs. Manoel de Barros Barreto, Álvaro Barbalho Uchoa Cavalcanti Júnior, Felippe Figueiroa de Faria, tenente-coronel Sebastião José Basilio Pyrrho, tenente-coronel Francisco Carneiro Machado Rios Júnior, major Antônio Feitosa de Mello, capitão da guarda nacional José Daciano Vieira de Amorim, alferes reformado do exército Álvaro Conrado Ferreira de Aguiar, tenente Goiana, o tenente da guarda nacional ajudante de ordens de S. Exc. o Sr. Presidente da Província, o soldado de polícia Sebastião Alves Marinho, que foi gravemente confundido, o guarda nacional João Nepomuceno Nogueira de Barros, os Drs. Pedro de Athayde Lobo Moscoso e Alexandre Pereira do Carmo, os sargentos da guarda nacional Antônio José da Silva e José Joaquim Gonçalves Rosa, os estudantes da Faculdade Carolino de Lima Santos, João Zenóbio Accioly, Estevão Cavalcanti de Albuquerque Lacerda e Elisio Alberto Silveira, os cidadãos Romão Maximiano da Cunha, Marcelino José Lody e André de Abreu Porto, o lente do Colégio das Artes Carlos Alckorne, os inspetores de quarteirão Antônio Joaquim de Figueiredo, José Francisco de Almeida Dória, José Antônio Guedes da Trindade, Manoel Martiniano de Souza Bandeira, José Luiz Macedo Cavalcanti, Antônio Roberto Franco, Manoel de Almeida Travassos, Júlio Rodrigues do Nascimento, Francisco de Araújo Caldas Lima e Caetano Carneiro de Almeida; os inválidos sargentos João Pedro da Rosa e cadete Belmiro de tal, e finalmente, o mestre pedreiro Manoel da Costa Mangericão, que se mostrou incansável, só tendo cessado de trabalhar, quando, às sete horas da noite, nenhum risco mais havia.

Levando, finalmente, ao conhecimento de V. S. que se acharam presentes no lugar do incêndio o Exm. Presidente da Província e os doutores delegado de polícia e subdelegados de Santo Antônio, cabe-me significar o pesar de não poder, de memória, lembrar-me dos nomes de todos que prestaram bons serviços.

Deus guarde a V. S. -- Ilm. Sr. Dr. João Antônio de Araújo Freitas Henriques, muito digno chefe de polícia. -- O subdelegado João Juvencio Ferreira de Aguiar. -- Conforme. -- O secretário, Eduardo de Barros Falcão de Lacerda.


FONTE:

 

AMARANTO, Tarquínio Bráulio de Souza. Memória Histórico-Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife. Recife, 1868.

REPARTIÇÃO da Polícia. Jornal de Recife. Recife, 14 set. 1868, a. 5, n. 211. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/705110/3465. Acesso em: 27 ago. 2021.