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Proteção ao idoso superendividado requer análise de múltiplas fontes jurídicas

A dissertação de mestrado "A proteção jurídica da hipervulnerabilidade do idoso superendividado na sociedade de consumo" foi defendida por Cora Cristina Ramos Barros Costa

Por Renata Reynaldo 

Se há um consenso na doutrina jurídica brasileira é a de que o Direito deve caminhar em consonância com as mudanças sociais. Ou seja: na medida em que surgem novas demandas, os legisladores devem elaborar normas, de forma rápida e eficazmente, a fim de manter a ordem. Mas quando profundas transformações sociais geram conflitos de tais proporções que qualquer demora em saná-los pode provocar danos irreparáveis aos indivíduos? Algo assim como o superendividamento dos idosos que, pela vulnerabilidade físico-emocional, tendem a ingressar na categoria do hipervulneráveis e, portanto, necessitam de uma tutela específica do Estado.

Segundo a dissertação de mestrado "A proteção jurídica da hipervulnerabilidade do idoso superendividado na sociedade de consumo", defendida por Cora Cristina Ramos Barros Costa, no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPE, a fim de salvaguardar a dignidade desses cidadãos é necessário provocar o Poder Judiciário a partir do diálogo das fontes jurídicas. "Para a proteção das relações jurídicas de consumo, deve-se buscar efetividade a partir de leitura de leis infraconstitucionais de forma coordenada e sistemática, sem critérios de exclusão, permanecendo a Constituição Federal no topo, e trazendo o ser humano para o protagonismo no mercado consumerista", explica a autora.

O estudo, que foi orientado pela professora Fabíola Albuquerque Lôbo, da Faculdade de Direito do Recife (FDR-UFPE), levou em conta as inúmeras modificações ocorridas na sociedade nos últimos anos, especialmente nas relações de consumo, trazendo a esse cenário a necessidade de novas nuances interpretativas e protetivas. Para a nova mestra em Direito, "essas demandas surgem constantemente e não podem ficar à margem da lei; ao contrário, requerem um olhar atento do legislador, dos intérpretes, dos aplicadores da norma e dos doutrinadores, na busca de guarida".

DADOS | Segundo dados apresentados no estudo, de acordo com o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), durante os anos de 2011 a 2014, o atendimento realizado no Núcleo de Superendividamento do Procon de Alagoas registrou um aumento de mais de 300% dos casos de idosos nessa situação. E, em resposta a essa tendência, em alguns casos, o Poder Judiciário tem reconhecido as situações de superendividamento e fundamentado suas decisões nos princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato, da dignidade da pessoa humana e no dever de cooperação, com vistas a assegurar o equilíbrio contratual.

A partir do corte metodológico que destacou o papel do homem idoso, portanto vulnerável, em situação de superendividamento, a pesquisa identificou que é possível e necessária a interpretação do Código de Defesa do Consumidor em diálogo com as demais legislações infraconstitucionais, com a finalidade da proteção do polo mais vulnerável. Entretanto, segundo a autora, é importante diferenciar a hipossuficiência da vulnerabilidade, conceitos presentes nas relações de consumo. "O primeiro representa a indefensabilidade do sujeito no âmbito processual à luz da análise do caso concreto; já a vulnerabilidade apresenta-se presumidamente, com a plena convicção da fragilidade do sujeito diante dos fornecedores", destaca.

Ao apontar que o consumo é "parte indissociável do ser humano" que chega a influenciar diretamente na economia e no desenvolvimento da sociedade, a pesquisadora defende que não se pode fechar os olhos diante das novas problemáticas. A dissertação revela que a permissão legal de aposentados e pensionistas em consignar até 35% da sua aposentadoria para pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil outorgado por instituições financeiras agrava a situação de vulnerabilidade dos idosos que, segundo Cora, se manifesta em diversas situações, "como a dificuldade na interpretação dos contratos, as fraudes, a saúde frágil e a publicidade enganosa".

A TEORIA | Desenvolvida pelo jurista alemão Erik Jayme, em seu Curso Geral de Haia, em 1995, e trazida ao Brasil pela jurista Claudia Lima Marques, a Teoria do Diálogo das Fontes visa uma interpretação entre as várias fontes legislativas de modo que elas conversem entre si, sem critérios de exclusão, dando ao juiz novos parâmetros hermenêuticos (de interpretação) eficientes numa situação de conflito entre normas jurídicas, com o atendimento dos valores constitucionais. Segundo a autora da dissertação, ao tratar de relações consumeristas, no sistema jurídico brasileiro ainda predomina a adoção de leituras que têm como base, além do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil de 2002, legislações esparsas versando sobre diversos temas, entre elas, o Estatuto de Defesa do Idoso.

Para o teórico alemão, as novas hipóteses para a promoção dessa inter-relação entre as normas preveem que se levem em conta a coerência entre elas, a complementaridade e a subsidiariedade e, ainda, o diálogo pode ser efetivado por meio de influências recíprocas sistemáticas. Na primeira possibilidade, segundo a pesquisa, esse diálogo se traduz quando, na aplicação simultânea de leis, uma serve como base para a outra. Também, a depender do caso concreto, a reciprocidade de normas poderá ser direta ou subsidiária e a outra opção dita que os conceitos basilares de uma norma podem sofrer intervenção de lei diversa. 

Defendendo a nova teoria, a pesquisadora afirma que os valores constitucionais em diálogo possibilitam "uma verdadeira eficácia horizontal de direitos fundamentais, humanizando ou constitucionalizando o direito privado". E, acrescenta: "ao invés da adoção de critérios excludentes em situações conflitantes entre princípios, o diálogo das fontes visa à harmonização, com a aplicação das fontes conjuntamente, objetivando a inexistência de lacunas na proteção em favor do consumidor".

Além da disseminação de nova forma de interpretação de normas, Cora Barros Costa entende necessária a promoção de uma educação para o consumo tanto no momento da prevenção, quanto no momento do tratamento do superendividamento, de modo a diminuir as chances de cair nas armadilhas do mercado. Outra defesa da autora diz respeito à aprovação do Projeto de Lei 3575/2015 que tramita na Câmara Federal e que "altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e o art. 96 da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento".

Mais informações

Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPE
(81) 2126.8689
ppgdufpe@gmail.com

Cora Cristina Ramos Barros Costa
ccrabarros@gmail.com

Data da última modificação: 30/08/2017, 17:28