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Ao pautar a criação de imagens, o Instagram pauta a própria vida

Para Manuela Salazar, no Instagram, cada fotografia se apresenta como uma comunicação que tem a intenção de ser única e individual

Por Ellen Tavares

Basta uma breve caminhada pelas ruas da cidade para que se perceba que acontecimentos, paisagens e cenas cotidianas despertam o uso de câmeras de celulares, que registram tudo o que acontece para ser compartilhado nas redes sociais. Esta atual disponibilidade constante de câmeras na palma da mão estimula ainda mais uma sociedade em que se produzem cada vez mais imagens. Mas o que potencializa o compartilhamento visual específico de uma cena, um objeto, um espaço, um corpo? O que os torna algo fotografável no contexto da rede visual Instagram? O que os torna instagramáveis?

Foi pensando no tema que a jornalista curitibana Manuela de Mattos Salazar pesquisou e apresentou, em 2017, ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UFPE, a dissertação “Mundos-mosaicos: a estetização do cotidiano no Instagram”. A jornalista, orientada pela professora Nina Velasco e Cruz, buscou investigar o encontro entre a estética e a vida cotidiana que parece ocorrer no aplicativo. Para o estudo, ela coletou 900 fotografias do Instagram marcadas com a hashtag #postitfortheaesthetic (poste pela estética), compondo um mosaico de imagens para sua análise.

Segundo o levantamento, no século XX, a fotografia respondia ao desejo latente de materializar em imagem os momentos que eram importantes para pessoas, com o intuito de guardá-los, preservá-los e retomá-los posteriormente. Manuela aponta na dissertação que essa finalidade ainda se aplica à contemporaneidade, porém somada a outros usos, pois a fotografia, hoje em dia, mediada pelo constante uso das redes sociais, é usada para participarmos individualmente de trocas comunitárias, que reforçam nossas identidades como produtores e consumidores culturais, aponta.

“Ao postarem no Instagram, os usuários visam criar um conteúdo original, baseado em suas vivências cotidianas com o intuito de expressar a própria individualidade; desenvolvendo um estilo próprio, através de suas escolhas visuais mais frequentes e, com essas imagens, desejam se conectar com outras pessoas interessadas em seu conteúdo, publicando conteúdo considerado relevante para seus padrões estéticos na construção de ângulos, uso de cores, de filtros e de enquadramentos”, observa a jornalista.

Para Manuela, no Instagram, cada fotografia se apresenta como uma comunicação que tem a intenção de ser única e individual, e cujo conteúdo denota experiências específicas do indivíduo de modo estetizado. O feed pessoal se configura como uma coleção delas, o que ela chama de mundo-mosaico, inspirada no filósofo Vilém Flusser. Nesse sentido, a rede visual Instagram compõe, portanto, um mundo-mosaico global de um bilhão de vozes, que parece reconfigurar o modo de ver a fotografia na atualidade. “Dada à lógica fugidia apresentada pelo aplicativo, a fotografia passou de duradoura para efêmera: a cada instante, novas imagens substituem as que foram compartilhadas um segundo atrás”, explica.

ATMOSFERA PERFEITA | No estudo, a autora analisa que, diferentemente do que denota a origem da palavra Instagram – do inglês, instant – que nos dá ideia de rapidez, instantaneidade e imediatismo –, com o tempo, desde sua criação em 2010, a rede visual se tornou um espaço de cálculos estratégicos onde se realizam diversos tipos de fotografia, mas um mais específico à rede, que mistura outras mídias e estéticas, como o design e a publicidade. E como exemplo aponta as fotos geométricas, com contraste calculado entre figura e fundo, que criam uma atmosfera perfeita para expressar algo que seus autores desejem, e um clima específico que promove a estetização do cotidiano.

Assim, segundo Manuela, “no Instagram, as imagens são concebidas, preparadas e editadas para terem um visual distinto e estilizado, e esse conjunto de fatores, regras e padrões estéticos que influenciam desde a escolha das cenas e objetos retratados à realização das imagens, sua edição e a maneira como são postadas, compõem a ideia do instagramável”. Para a autora, são tendências estéticas de hábitos, objetos, cores, formas que já existiam em outros universos como a arte, o design, as revistas, as imagens de inspiração em redes como Pinterest e outras redes sociais, e que começam a ganhar ainda mais força no Instagram e se multiplicam, num ciclo de influências estéticas que ultrapassa as fronteiras do aplicativo.

Em sua conclusão, a mestra em Comunicação afirma que, neste modo de se configurar, o Instagram pode gerar efeitos como o fortalecimento de uma percepção dos detalhes estéticos do cotidiano na sociedade. “O Instagram cria um clima de apreciação da banalidade, que pode se transferir para outras instâncias da sociedade das imagens”, analisa. Ela complementa: “Viver neste mundo-mosaico não é apenas pautar a criação de imagens nos parâmetros do instagramável, mas pautar a própria vida, as ações, os reflexos. No Instagram, portanto, são difusas as fronteiras entre a arte e a vida, entre ficção e realidade, entre cotidiano e memória.” Uma versão em livro da dissertação de Manuela já está no prelo. No mês de agosto, a editora curitibana Kotter publica “Mundo-Mosaico: A estetização do cotidiano no Instagram”.

Mais informações
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UFPE
(81) 2126.8960

ppgcomufpe@yahoo.com.br

Manuela de Mattos Salazar
manuela.msalazar@gmail.com

Data da última modificação: 20/07/2018, 14:50