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Em Caruaru, falta formação para gestores escolares enfrentarem a LGBTfobia na escola

Pesquisador também identificou lacuna sobre questões de diversidade sexual e identidade de gênero nos cursos de preparação dos docentes

Por Maik Santos

Gestores de escolas em Caruaru, no Agreste pernambucano, ainda não possuem a formação adequada para lidar com alunos LGBTs e as problemáticas em torno da questão da violência LGBTfóbica. Segundo pesquisa desenvolvida por Émerson Silva Santos, no Programa de Pós-Graduação em Educação Contemporânea (PPGEduC), do Centro Acadêmico do Agreste da UFPE, “o conteúdo de formação dos professores apresenta uma grande lacuna sobre questões de diversidade sexual e identidade de gênero nas unidades educacionais, bem como não tratam do problema da LGBTfobia em nenhum momento”. O mestre em Educação analisou a gestão escolar das escolas estaduais de nível médio na cidade, entrevistando suas respectivas gestoras.

Para realizar a dissertação “(Des)Respeito à diversidade sexual e à identidade de gênero em escolas de Caruaru – PE: a questão da LGBTfobia e os enfrentamentos e/ou silenciamentos da Gestão Escolar”, realizada sob orientação da professora Allene Carvalho Lage, Émerson buscou identificar a existência de documentos que orientem a atuação da gestão escolar em relação às questões de diversidade sexual e identidade de gênero. Por meio das entrevistas, soube da existência dos Cadernos de Formação do Curso de Aperfeiçoamento em Gestão Escolar, oferecidos pelo Programa de Formação de Gestores de Pernambuco (Progepe), instituído pelo Governo de Pernambuco, por meio do Decreto N° 38103/2012.

Ao analisar o conjunto de Cadernos de Formação de duas edições do Curso de Aperfeiçoamento em Gestão Escolar, realizadas em 2012 e 2017, o pesquisador não encontrou em nenhum módulo, “de forma explícita, contextualizada e suficiente”, questões relacionadas à diversidade sexual e à identidade de gênero na escola. Segundo Émerson, “os cadernos com os conteúdos dos cursos apontam que a gestão das escolas da Rede Estadual de Ensino de Pernambuco deve pautar-se em valores humanos e guiar-se por documentos, declarações, resoluções e legislações nacionais e internacionais que asseguram o respeito aos direitos humanos”. “Mas”, pondera o autor, “ao mesmo tempo. não há expressamente orientações sobre o combate à violência cometida contra estudantes LGBTs no interior das instituições escolares”. 

DESCONHECIMENTO | Em contraponto, o autor identificou no material afirmações como “a gestão escolar deve ser democrática, envolvendo toda a comunidade escolar em suas atividades; as escolas devem ser acolhedoras, inclusivas e respeitosas com as diferenças e que a gestão escolar deve observar o princípio da equidade para não reproduzir as desigualdades existentes na sociedade”. Émerson também abordou as principais percepções das gestoras sobre a diversidade sexual e identidade de gênero. Para o autor, ainda há uma grande dificuldade de compreensão delas sobre essas questões. “Mais que isso, as gestoras escolares participantes da pesquisa demonstraram um grande desconhecimento sobre conceitos como gênero, sexualidade, diversidade sexual e identidade de gênero”, destacou.

O pesquisador identificou a presença, nas escolas, de uma certa confusão entre orientação sexual e identidade de gênero, algo que ele já previa baseado no referencial teórico. “Essa confusão ocorre porque há uma expectativa de que o conjunto de identidades sexuais e de gênero seja homogêneo”, e completa: “Ao se deparar com as diferenças que permeiam a comunidade LGBT, gestores e gestoras escolares não conseguem entender essa pluralidade, na medida em que não houve formação oferecida pela Secretaria de Educação de Pernambuco, destinada a esse fim”.

Contudo, as gestões das escolas analisadas já reconhecem, segundo o pesquisador, mesmo que com algumas ressalvas, a presença de estudantes que se identificam como LGBTs. E isso ocorre por diversos fatores, entre eles o protagonismo desses e dessas estudantes que têm, de algum modo, construído um processo de autoafirmação de suas identidades e de resistência contra toda e qualquer forma de intolerância à diversidade sexual e à identidade de gênero. Assim, para Émerson, nas escolas da Rede Estadual de Ensino de Pernambuco, coexistem manifestações de LGBTfobia psicológica e simbólica com práticas que desafiam as normas de gênero e sexualidade, subvertendo opressões e enfrentando violências. 

NOME SOCIAL | A pesquisa identificou, ainda, que o respeito ao uso do nome social de estudantes transexuais nos documentos e registros escolares, bem como a permissão para que utilizem os banheiros da escola conforme sua identidade de gênero já é algo presente na agenda de gestores e gestores escolares, sobretudo em função da Instrução Normativa nº 03/2016 da Secretaria de Educação de Pernambuco. “Todavia, isso não significa que estudantes transexuais não encontrem barreiras para acessar, ingressar e permanecer na escola; nossa pesquisa de campo evidenciou os embates, dificuldades e violações que estudantes transexuais passam para poder utilizar os banheiros das escolas conforme suas identidades de gênero; essas violações, no caso das escolas participantes da nossa pesquisa, não foram realizadas pela gestão escolar, mas por outros sujeitos e outras sujeitas do espaço escolar e, em alguns casos, contaram com a negligência da gestão escolar em apurar o ocorrido e punir os culpados”, ressalva o pesquisador.

Segundo consta na dissertação, no que tange à atuação da gestão escolar em relação a iniciativas e ações de promoção do respeito à diversidade sexual e à identidade de gênero na escola, na Escola A (que oferece Ensino Médio regular) não ocorreram muitas iniciativas para promover o respeito à diversidade sexual e à identidade de gênero, salvo uma formação realizada para o corpo docente em uma reunião de planejamento do bimestre e a afixação nas salas de aula da Instrução Normativa da Secretaria de Educação de Pernambuco que assegura o uso do nome social por travestis e transexuais, nas escolas públicas estaduais. “Já na Escola B (que oferece Ensino Médio Integral), a gestão escolar busca discutir com o corpo docente a importância dessa questões serem trabalhadas como temas transversais nas disciplinas e como conteúdo no componente curricular direitos humanos e cidadania, exclusivo das escolas integrais. Contudo, a Escola B conta com a presença de alguns professores e professoras conservadores e religiosas que têm grande dificuldade em aceitar que essas questões sejam debatidas na escola”, destacou. 

Em outro ponto abordado pela pesquisa, o autor buscou levantar, junto aos professores, que orientações são (ou não) repassadas pela gestão escolar sobre questões de diversidade sexual e identidade gênero, e de que maneira. “Novamente, encontramos resultados diferentes nas duas escolas; na Escola que oferece o Ensino Médio regular, percebemos que a gestão escolar não tem repassado muitas orientações para os professores e professoras sobre essas questões”, aponta Émerson. Já na Escola B, segundo o estudo, a gestão escolar demonstra uma maior preocupação com essas questões e com qualquer outra demanda que envolva os/as estudantes. “Todavia, as orientações repassadas pela gestão escolar foram mais no sentido do corpo docente não realizar qualquer comentário que possa fazer com que estudantes LGBT se sintam constrangidos ou constrangidas; violentados ou violentadas”, afirma o autor.

Segundo análise do pesquisador, as questões de diversidade sexual e de identidade gênero podem ocupar um lugar de desconhecimento, tensionamento, instabilidade e silenciamento na gestão das escolas do Ensino Médio da Rede Estadual de Ensino. Émerson considera, também, que a Secretaria de Educação de Pernambuco está ainda alguns passos atrás nas discussões sobre combate à violência no ambiente escolar e perdeu uma grande oportunidade de formar gestores e gestoras escolares comprometidos com a promoção do respeito à diversidade sexual e à identidade de gênero nas escolas, na medida em que não abordou essas questões nas duas edições do Curso de Aperfeiçoamento em Gestão Escolar do Progepe. “A gestão escolar pode ser parte da solução dos problemas de violências LGBTfóbicas na escola quando assume uma postura de combate a tais violações e quando procura realizar a construção de uma cultura escolar inclusiva, harmônica e de respeito às diferenças”, reforça.

Mais informações

Programa de Pós-Graduação em Educação Contemporânea
(81) 2103.9179
mestradoeduc.caaufpe@gmail.com

Émerson Silva Santos
emersonssantos1@gmail.com

Date of last modification: 09/05/2019, 14:34