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Epilepsia sem preconceitos

Gilson Edmar Gonçalves e Silva, vice-reitor da UFPE
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Entre as mais antigas doenças conhecidas, a epilepsia é uma das que tem mais preconceitos. Desde a Antiguidade, os pacientes portadores dessa patologia sofriam com a discriminação imposta pela sociedade, com o afastamento deles da comunidade onde viviam, pois era crença, na época, ser uma doença transmissível. Entretanto, trata-se de uma disfunção da atividade elétrica das células do cérebro, portanto não é uma doença contagiosa.
 
Durante muitos séculos, até o período da Segunda Guerra Mundial, os estudiosos afirmavam que a causa da epilepsia era genética, ou seja, todos os pacientes epilépticos iriam transmitir a doença a seus filhos. Atualmente, os estudos evidenciaram que só alguns tipos de crises epilépticas têm causa hereditária. A grande maioria deve-se a fatores adquiridos desde o período gestacional até o final da vida, portanto passíveis de serem prevenidas.
 
Pelo fato de ter existido a crença na causa hereditária da epilepsia, os portadores sofreram restrições ao longo dos tempos: não podiam casar, não podiam ter filhos, foram submetidos a esterilização em massa durante o período nazista, entre outras atrocidades.
 
As causas adquiridas da epilepsia podem ser prevenidas por meio de várias ações: um acompanhamento médico pré-natal adequado pode identificar precocemente patologias indutoras de crises epilépticas. A assistência obstétrica e pediátrica eficiente evita partos distócicos e sofrimentos neonatais, que podem provocar crises futuras. Uma política de saneamento básico reduz a possibilidade das crianças adquirirem infecções, como meningites e meningoencefalites e contaminações parasitárias, como a cisticercose, todas causadoras de epilepsias.
 
A educação da população pode reduzir os traumatismos de crânio, tanto por acidentes de veículos como por outros tipos de violência. As patologias vasculares, indutoras de crises epilépticas nos idosos, devem ser prevenidas através de medidas higieno-dietéticas.

Muitos pacientes epilépticos sofreram recriminações desde que o homem existe. De acordo com a crença de que a doença era infecciosa, foi feita cauterização do cérebro de muitos pacientes. Ao se acreditar que eram decorrentes de maus espíritos ou possessão demoníaca, os epilépticos foram submetidos a uma abertura do crânio, evidentemente sem anestesia, para expulsar aqueles espíritos. Muitos foram condenados à morte pela fogueira, pois a Inquisição assim os sentenciava, para queimar também o demônio juntamente com eles.

Não é raro nos dias atuais o epiléptico ser discriminado no seu quotidiano. É uma criança que não é aceita na escola, é um adulto que é demitido do trabalho, por vezes por influência dos próprios colegas.
 
É um paciente que não recebe ajuda durante as suas crises, pois ainda se acredita que a “baba” transmite a doença. Não há razão lógica de se pôr sal na boca do paciente ou de puxar a língua durante a crise. Jamais usar colher ou outro objeto metálico para impedir que morda a língua, pois pode provocar ferimentos e fraturas nos dentes. Isso acontece logo no início da convulsão, decorrente de uma contração muscular bastante potente, sendo que a ação de abrir a boca na crise, já não mais evita a mordedura.
 
Sejamos solidários com essas pessoas. Ao ver um paciente tendo uma crise generalizada, pois os outros tipos são menos dramáticos, devemos evitar primeiramente ações intempestivas. Sugere-se proteger a cabeça para evitar traumatismos, colocando-a de lado para drenar as secreções. A crise termina espontaneamente em dois ou três minutos. Se prolongar além de 5 a 10 minutos, deve-se providenciar o transporte a um hospital para ser medicado na urgência.
 
É preciso entender que a grande maioria dos pacientes epilépticos tem suas crises controladas com a medicação específica, podendo ter uma atividade normal na sociedade.

Entretanto, são incompatíveis profissões que possam levar risco ao mesmo e a outras pessoas, como motorista, piloto, entre outras. Foram muitas pessoas notáveis na literatura, nas artes, na política, que tiveram epilepsia e que a doença não influiu na sua produção intelectual. Entre eles, Machado de Assis, Van Gogh e D. Pedro I.
 
Enfim, precisamos contribuir para a inclusão adequada do paciente epilético na sociedade, pois as suas crises ocupam apenas uma pequena parte das suas vidas.
 
Publicado na edição do Jornal do Commercio do dia 27 de março de 2007
Date of last modification: 31/10/2016, 11:21

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